As drogas na militância: Lições da experiência bakuninista no Brasil

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº12, Fevereiro/Março/Abril de 2025.

J. C. Ramos

Imagem: cartaz da CNT, central anarcossindicalista, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39).

No século XIX, Mikhail Bakunin apontava a revolução social como a única saída real para a miséria, enquanto igrejas e álcool seriam fugas ilusórias. Um século e meio depois, as massas se afastam da revolução e buscam novos escapes nas drogas, apostas e medicações psiquiátricas, entre outras fugas.

Em 2019, o Brasil registrou a abertura de 17 igrejas neopentecostais por dia. Já em 2022, o tráfico de drogas movimentou R$ 146 bilhões (3% do PIB), enquanto o setor de bebidas alcoólicas gerou R$ 120 bilhões. O consumo de antidepressivos e estabilizadores de humor aumentou 36% após a pandemia. Não por acaso, é nos bolsões urbanos da pobreza que a problemática das drogas assume contornos de filme de terror — e é justamente nesses territórios que igrejas e facções do tráfico expandem seu domínio, e onde a presença socialista é quase nula.

No início dos anos 2000, surgiu um movimento no Brasil de resgate do legado anarquista bakuninista da Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores, que teve inicio no Rio de Janeiro e se expandiu pelo país. O bakuninismo buscava fortalecer o anarquismo na luta de classes e a auto-organização do proletariado marginal, combatendo a influência liberal e promovendo avanços teóricos. Nesse contexto, a questão das drogas tornou-se parte dos debates e enfrentamentos diários O resgate do anarquismo revolucionário exigiu romper com o ecletismo teórico e a visão contracultural das drogas como transgressão. Ao fomentar ocupações e cooperativas junto ao proletariado marginal, tornou-se inevitável enfrentar os impactos das drogas e da guerra urbana na região metropolitana do Rio. A morte de Porquinho, militante apoiador de uma das ocupações e oriundo da contracultura, executado pelo tráfico foi um evento que impactou a política bakuninista, levando à proibição de drogas ilícitas entre militantes e à orientação do não consumo álcool nos anos 2000. Com a mudança do foco para universidades e funcionalismo público, a restrição foi abandonada, resultando na liberalização do consumo.

Apesar do impacto político e moral desse e outros infortúnios. A práxis bakuninista em relação às drogas foi moldada por questões concretas no seu campo de atuação. Durante as ocupações, enfrentou-se a dependência de drogas e a tentativa coercitiva do tráfico de se estabelecer. Além disso, a ascensão neopentecostal influenciou o repúdio ao uso de drogas por parte da base e cobrança de posição dos dirigentes. Esses fatores levaram a uma disciplina rígida e ao fortalecimento da segurança contra investidas de pequenos traficantes.

A experiência bakuninista mostrou a necessidade de adaptação às condições concretas, enfrentando o problema das drogas, da violência e da influência neopentecostal. Com o foco deslocado para as camadas médias, as diretrizes foram abandonadas, evidenciando a contradição entre a ideologia liberalizante de uma minoria detentora de garantias democráticas, inclinada ao progressismo, e a realidade de uma massa que sofre danos cotidianos e tende a ser conservadora em relação às drogas. Essa contradição não se resolve simplesmente escolhendo entre disputar as minorias ou as massas, pois, embora o objetivo estratégico de toda organização revolucionária seja conquistar influência popular, historicamente, a maioria dos quadros da esquerda emergem das camadas médias progressistas sendo impossível ignorar sua importância.

A breve trajetória da corrente bakuninista junto ao proletariado marginal não oferece soluções definitivas, mas ilumina desafios que as organizações revolucionárias precisarão enfrentar. Para os revolucionários, é fundamental reconhecer que a questão da dependência química não será resolvida no capitalismo. Alimentar essa ilusão cabe aos socialistas que buscam soluções via Estado burguês e tentam replicar modelos fracassados na Europa e que seguirão fracassando pelo mundo. Pois o problema central não são as drogas, mas o próprio capitalismo. A aplicar novas experiencias de gestão das drogas licitas e ilícitas no capitalismo, só é possível ao obter controle de um território como os Zapatistas, mapuches e Curdos.

A principal tarefa dos revolucionários hoje é conquistar influência popular. Em um cenário devastado pela repressão às drogas e pelo domínio do tráfico, qualquer organização revolucionária comprometida com o povo deve, no mínimo, transmitir uma postura de seriedade e oposição ao liberalismo perante as bases populares. Além disso, é essencial adotar uma linha política clara não apenas sobre o consumo de drogas entre seus militantes, mas também para lidar com os conflitos que surgirem em suas bases de atuação. O liberalismo individualista, frequentemente associado à ideia de livre-arbítrio no uso de drogas, deve ser combatido por meio de diretrizes políticas coletivistas. ■

Esta entrada foi publicada em Anarquismo, Cultural, Debate, General, Matérias, Teoria e ideologia. ligação permanente.