Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº1, Março/Abril/Maio de 2022.
por Antônio Galego.
O governo Bolsonaro reacendeu um debate na sociedade brasileira: a política de desarmamento. Para além do debate, a contestação prática ao desarmamento por uma parcela cada vez maior da população já é um fato. A questão das armas e da violência, e, portanto, do poder, é central na luta de classes e pra uma estratégia revolucionária. Por isso é fundamental explicar a posição dos anarquistas, sobre o aspecto político e conjuntural do problema.
1- Armamento geral do povo e desconcentração do poder
O monopólio da violência pelo Estado, através de instituições policiais e militares, é uma característica básica da centralização do poder. Não à toa, em processos de colonização o desarmamento das populações nativas é uma medida típica dos colonizadores. A relação dialética entre Estado-Sociedade é nítida. A sociedade é aos poucos destituída do direito de exercer por si mesma a violência. O monopólio estatal da violência torna a sociedade, e mais especificamente a classe trabalhadora, indefesa e incapaz.
Os diferentes tipos de Estado burguês, democráticos ou autoritários, que centralizam o poder sob diferentes justificativas, só evidenciam a tendência geral dos Estados ao autoritarismo e à tirania. A ideia de um Estado “democrático” que promete defender seus cidadãos retirando destes a capacidade de se defenderem por si mesmos, além de contraditória, se torna um absurdo e uma falácia num país como o Brasil, tão desigual e com estruturas jurídicas-repressivas genocidas e anti-povo.
Por isso, os socialistas revolucionários defendem o armamento do proletariado em sua luta contra a burguesia. É a aplicação do princípio de autodefesa (individual e coletiva) bem como uma medida estratégica e programática pra construir a revolução social e a desconcentração do poder (destruição do Estado). O armamento popular, aquisição de material e formação técnica e psicológica, não cairá do céu, num futuro revolucionário indefinido, nem se reduz a uma medida pós-revolucionária. Conhecimento bélico pela classe e suas organizações, bem como a vontade política de usá-lo, é uma condição para a revolução.
2 – Desarmamento: projeto da direita assumido pela esquerda
A política do desarmamento no Brasil ganha corpo com o Estatuto do Desarmamento, uma lei federal resultante do PL nº 292 (PL 1555/2003) proposto pelo senador Gerson Camata (PSDB-ES) e sancionada por Lula (PT) em 2003. Foi desde o início uma política da burguesia e da direita (PSDB, PFL, PMDB, Rede Globo) assumida pelos reformistas do PT e PCdoB.
O Estatuto envolve uma série de restrições, regulamentações e criminalizações do porte e comércio de armas de fogo, em especial por civis. Antes dele a compra e porte por civis era mais fácil e barato, incluindo o porte ilegal (que possuía pena de 15 dias a 6 meses de prisão ou multa).
Em 2005 foi realizado um plebiscito sobre o Artigo 35 do Estatuto que impunha a total proibição da comercialização de armas e munições. O plebiscito foi criado para dar um verniz democrático no início dos governos petistas, mas acabou em uma grande derrota pro governo, com 63% votando não a proibição.
Também se formou um campo reacionário contra o desarmamento (PTB, PL, PP, parte do PMDB e empresas armamentistas). Atendiam ao interesse de grandes empresas e à ideologia individualista-proprietária inspirada na direita dos EUA, onde o “cidadão de bem” é visto como força auxiliar (paramilitar) de sustentação do sistema. Na prática, esse setor nunca foi desarmado, quem de fato foi desarmado foi o trabalhador pobre, e o desarmamento civil foi acompanhado nos últimos anos pelo fortalecimento das forças militares e policiais.
3 – As ilusões pacifistas e a posição anarquista
O atraso causado por quase duas décadas de desarmamento possui fortes marcas na subjetividade de uma geração de jovens trabalhadores. Esse atraso será difícil de remediar.
Desde a aprovação do Estatuto, e sem um contraponto classista (com raras exceções como PSTU e PCO), até grupos e militantes sinceros ficaram a reboque da política burguesa. Argumentos superficiais são usados pra justificar o injustificável: “só os ricos poderão comprar armas”, “somos contra a indústria bélica”, “pelo armamento coletivo e não individual”.
Os argumentos à esquerda em defesa do desarmamento são fruto de ilusões pacifistas e oportunismo. O fato de vivermos no capitalismo, e que por isso os direitos em geral sejam limitados e negados, não significa que os revolucionários devam defender a supressão dos direitos ou não aproveitar suas brechas. O mesmo passa com o direito à autodefesa.
Os anarquistas combatem o desarmamento por seus objetivos nefastos para a libertação e autodefesa da classe trabalhadora. É uma política que só aumenta o poder do Estado burguês. Também criticam a demagogia da extrema-direita, por não retirar as travas burocráticas e corporativistas da lei, com medo de armar o povão de fato, tentando manter o controle através dos clubes de tiro e da burocracia militar.
Os anarquistas encaram a luta de classes de forma materialista e prática: os trabalhadores devem se defender de seus inimigos de classe por todos os meios necessários. ■
NÃO A POLÍTICA BURGUESA DO DESARMAMENTO!
TRABALHADOR, ARME-SE E LIBERTE-SE!