Retomadas Guarani e Kaiowá avançam frente ao terrorismo de Estado e do latifúndio

Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº2, Junho/Julho/Agosto de 2022.

Foto: retomada Guapoy Tujuri.

Por Anarquistas em Dourados (MS).

No dia 21 de maio, o jovem indígena Guarani Kaiowá Alex Vasques Ricarte Lopes, de 18 anos, foi brutalmente assassinado por grandes fazendeiros, enquanto buscava lenha nas proximidades da Reserva Indígena Taquapiry, fronteira com o Paraguai, no cone sul do Mato Grosso do Sul (MS). Alex foi alvejado com 6 tiros e seu corpo jogado no lado Paraguaio da fronteira. Sua morte se soma aos demais Guarani e Kaiowá que tombaram na luta pela retomada de seus territórios ancestrais, incluindo outros três parentes de Alex Lopes assassinados por fazendeiros e jagunços na mesma região: Xurite Lopes, rezadora e anciã assassinada em 2007; Ortiz Lopes (2007); e Oswaldo Lopes, assassinado em 2009.

A Reserva Taquapiry foi uma das 8 Reservas demarcadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI, antes da criação da FUNAI em 1967), instituídas entre 1916 e 1928 junto ao avanço da fronteira agrícola no MS. O objetivo das reservas era liberar terras para a colonização, o que provocou extermínio, remoção forçada e escravidão dos povos indígenas. Neste processo histórico, os latifúndios se estabelecem para monocultora de grãos (soja e milho transgênico), cana-de-açúcar ou agropecuária, todos produtos destinados para exportação. Hoje, são estes mesmos latifúndios que, em conjunto com sindicatos rurais, políticos e empresários locais, promovem a guerra contra os povos indígenas.

Foto: rezadora Guarani Kaiowa na retomada Guapoy Tujuri. Por @scotthil, fotógrafo Guarani.

Porém, frente ao terrorismo estatal e latifundiário, também cresce a resistência: na madrugada do dia 22 de maio, a fazenda onde ocorreu o assassinato de Alex é retomada pelos Guarani Kaiowá, onde também enterram seu corpo. Após a retomada, o local é cercado e bloqueado por fazendeiros, seguranças privados e pelo Departamento de Operações de Fronteira (DOF), polícia privada do agronegócio. A retomada, batizada de “Tekoha Jopara”, deflagra novo período de resistências: no dia 25 de maio, outra terra ancestral é retomada na região de Amambai – Guapoy Tujury – em fazenda limítrofe à Reserva de Amambai [Guapoy]. A retomada é alvo imediato de operação de guerra, envolvendo helicópteros, tiros de fuzil, ação da Polícia Militar e intimidações com uso de máquinas agrícolas.

Estes fatos se inserem em contexto mais amplo de aprofundamento da espoliação extrativista na América Latina e, em especial, contra terras indígenas – a exemplo do garimpo e da mineração no norte do país, que resultou recentemente no assassinato e estupro de crianças Yanomami e na expulsão/desaparição de comunidades inteiras. No MS, o Estado vem mobilizando três frentes prioritárias para explorar terras indígenas, como táticas de guerra: 1) a infiltração de igrejas pentecostais e queimas de casas de reza [ogá pysy] nos tekoha (terras ancestrais) Guarani e Kaiowá; 2) a pressão pelo arrendamento de terras indígenas para plantio de soja; 3) megaprojetos como a ferrovia Nova Ferroeste, que impactará diretamente territórios Guarani e Kaiowá.

A primeira questão resultou em relatório produzido pela Kuñangue Aty Guasu – grande assembleia das mulheres Guarani Kawioá – que demonstrou que, somente entre 2020 e 2022, foram 11 casas de reza queimadas por ação da Igreja Deus é Amor, articulada com arrendatários de soja e pastores não-indígenas que promovem a introdução da igreja em determinadas comunidades. É um amplo projeto contra-insurgente, onde rezadoras e rezadores – nhandesy e nhanderu, centrais para as retomadas – são alvo de tortura e ameaças de morte – incluindo ameaças de serem incendiados, após acusações de bruxaria.

Alex Lopes, Presente!!!

Sobre o segundo ponto, retomadas próximas ao local do ataque que resultou no assassinato de Alex também foram alvo recente de ameaças de morte e violências contra a comunidade de Yvy Katu, retomada em 2013. Fazendeiros e jagunços pagos pelo agronegócio intimidaram a comunidade com tiros de armas de fogo com intenção de expulsar os indígenas para permitir arrendamento de soja. A situação se agravou após denúncia realizada pela comunidade durante reunião da Aty Guasu, que ocorria ao mesmo tempo em que ambos os ataques aqui discutidos ocorreram.

Por fim, a Nova Ferroeste ameaça cortar e impactar territórios indígenas, quilombolas e assentamentos no MS e Paraná, conectando a exportação da soja, carne e outros produtos no MS – diretamente ligados ao genocídio dos povos indígenas – ao porto de Paranaguá (PR). Para impedir mais essa ameaça de violação e devastação dos territórios Kaiowá e Guarani por grandes empresas do agronegócio, somente o fortalecimento e expansão das retomadas através da autodefesa e da autonomia alimentar poderá deter a nova colonização. Frente a farsa eleitoral, defender a luta dos povos e as lutas territoriais por terra e liberdade deve ser tarefa central das lutas populares.

Por um anarquismo anticolonial e pelo levante revolucionário dos povos do mundo, todo apoio às retomadas Guarani e Kaiowá!

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