Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº2, Junho/Julho/Agosto de 2022.
Por Antonio “Galego”
Em toda a história do Brasil houve luta pela terra. As massas camponesas têm uma experiência riquíssima, de formação de quilombos, territórios livres, retomadas, guerrilhas, sabotagens, messianismo, banditismo, movimentos sociais, sindicatos, trabalho e propriedade coletiva, etc. O campesinato é a fração da classe trabalhadora com mais episódios de enfrentamento armado e de massas contra o Estado brasileiro, e com registros importantes de vitórias.
A partir desse fato (luta pela terra), diferentes correntes e organizações formularam orientações gerais para enfrentar o problema agrário. Tais orientações é o que chamamos de programa. Os diferentes “programas agrários” são fruto de acúmulos de experiência e análise, profundamente marcados pelas visões de mundo, estratégia e objetivo de quem os formulou (marxistas, desenvolvimentistas, anarquistas, etc.).
Assim, é necessário diferenciar a luta pela terra dos diversos programas. Por exemplo, o programa de Reforma Agrária defendido pelos movimentos sociais atualmente é a expressão histórica de uma série de disputas concretas e que veio a se tornar a linha política hegemônica dentro do movimento camponês. Mas reforma agrária e luta pela terra não são a mesma coisa. Luta pela terra é um processo mais amplo e antigo. Nessa luta distintos programas estão em disputa.
Reforma agrária: transformação via Estado pra desenvolver o capitalismo “nacional”?
O programa da reforma agrária se desenvolveu no interior do movimento camponês como parte da orientação socialdemocrata/comunista. O primeiro auge da luta pela reforma agrária se dá nas décadas de 1950/60, com a organização massiva e combativa das Ligas Camponesas e, por outro lado, pela integração da pauta pelo governo João Goulart com as “reformas de base”. O segundo auge será com a formação do MST e as ocupações nos anos 1980/90.
Em ambos os processos o conflito entre a estratégia da ação direta e a estratégia reformista-estatista esteve presente, mas com uma diferença significativa: As Ligas “resolveram” tal conflito com um processo de radicalização (“reforma agrária na lei ou na marra” e defesa da luta armada) e o MST guinou cada vez mais ao reformismo e, hoje, ao Lulismo.
A reforma agrária é pensada pelos movimentos e partidos reformistas como medidas de redistribuição de terras a serem implementadas de forma indireta através de um governo, e não diretamente pela massa camponesa organizada. Por mais que se impulsione protestos e ocupações, a dependência de “governos favoráveis” e do reconhecimento das instituições estatais, leva milhares de famílias acampadas a amargar por anos na beira das estradas. Com o passar do tempo, a luta encaminhada dessa forma limitada é cada vez mais substituída pela disputa eleitoral e de “políticas públicas”.
Por outro lado, a reforma agrária é pensada como parte de um projeto de desenvolvimento “democrático e popular” do Brasil, por dentro do sistema. A redistribuição das terras tem como objetivo o aquecimento do mercado interno, fortalecimento da industrialização e da economia nacional (capitalista!). As táticas do MST, focada num primeiro momento na crítica ao latifúndio “improdutivo”, e atualmente na produção e venda de “orgânicos” e criação de “agroindústrias” (em detrimento das ocupações e da ação direta), é um sintoma desse programa conciliador e seus limites históricos.
Contra o reformismo agrário: Ação direta por terra e liberdade!
O resultado dos governos petistas (2003-2016), com aumento da concentração de terras e fortalecimento das grandes mineradoras e agropecuárias, demonstrou que a burguesia não ouve seus conselheiros “de esquerda”, que o capitalismo dependente brasileiro não precisa da reforma agrária para se desenvolver. Não pode haver qualquer ilusão num futuro governo Lula-Alkmin, muito menos numa reeleição de Bolsonaro, inimigo declarado dos trabalhadores! Ou o campesinato (em aliança com o proletariado urbano) se organiza para tomar as terras com suas próprias mãos, ou seguirá na ilusão de programas irrealizáveis e políticos oportunistas. ■