Dilemas sobre os revolucionários e a participação eleitoral

Por Jiren D.

Ao considerar o histórico da militância operária e socialista no Brasil, do qual o anarquismo foi o pioneiro e também primeira força com expressão de massas, se detecta que desde o começo do século XX já existia o debate sobre a participação eleitoral, na época de hegemonia anarquista. Além da questão principista do abstencionismo anarquista, outros fatores históricos como exclusão do processo eleitoral de analfabetos, mulheres e imigrantes retiram a importância dessa questão na luta operária da época, pois a via da ação direta era a única alternativa.

A partir da criação do PCB, em 1922, o debate sobre a participação eleitoral da classe trabalhadora ganhou um novo fôlego com o surgimento do partido. Desde sua criação ele priorizou a disputa democratico-burguesa, o simbolo dessa virada histórica foi a criação do BOC (Bloco operário e camponês), sendo a primeira experiência de “candidaturas operárias” a disputar as eleições de 1927 e 1930 e depois dissolvido na ditadura varguista.

O que se seguiu, na experiência eleitoral do PCB, foi uma série de experiências históricas contraditórias, e mal-sucedidas, de alianças com a burguesia nacional que levaram a nenhum avanço revolucionário, muito menos democratico burguês, pois todas as táticas de alianças em momentos decisivos esbarraram em traição ou golpismo, mas principalmente sem poder de mobilização de massas. O PCB que foi reprimido e dissolvido pelo Varguismo, foi o mesmo que apoiou posteriormente Getulio até sua queda, tudo em prol da “unidade pelo desenvolvimento nacional” e da “luta antiimperialista”. O PCB, que achou que apoiando os políticos progressistas iria frear o golpe de 1964, se viu novamente na ilegalidade e cumprindo o papel de bombeiro contra a resistência armada até a reabertura do regime militar, os mesmo militares que hoje retornam à arena eleitoral.

Mesmo após a redemocratização e a suposta ruptura com a estratégia de unidade com burguesia nacional, as contradições do partido continuaram, como por exemplo o apoio ao pilantra Anthony Garotinho em 1998, até chegada do atual momento onde o PCB e toda “esquerda socialista” como UP, PSTU e PSOL, ou até setores autônomos e anarquistas (por comprarem as narrativas petistas de “golpe” ou “fascismo”), estão apoiando acriticamente a chapa Lula/Alckmin em prol da defesa da democracia burguesa e contra um fascismo imaginário. Assim a “esquerda socialista” mostra nas suas ações e história que a sua aposta maior não é em ir ao povo e mobilizar as massas, como repetem no seu discurso, mas sim, apostar nas urnas. Se isso é a estratégia de construção por “todos os meios possiveis”, fica evidente qual é o meio mais privilegiado dentro desta estratégia.

Muito se fala do voto em Lula ser “conjuntural” para derrotar o fascismo e para defender a democracia, ou para escolher um “mal menor”, mas no fundo isso mostra o grave processo de degeneração da chamada “esquerda socialista” que está muito aquém da socialdemocracia histórica, a qual cumpria um papel positivo de construir um movimento de massas reivindicativo e também de crítica às mazelas do capitalismo. Mesmo no primeiro governo do PT, alguns setores do reformismo tiveram algum “papel positivo” como a criação de um polo anti-governista e anti-petista, como o PSTU, quando gestou a Conlutas, a qual foi liquidada pelo próprio partido.

Hoje os partidos reformistas parecem não ter nenhuma estratégia além da via eleitoral, e ainda cumprem o papel de linha auxiliar do petismo sem ganharem nada além de esperança. O que era “tático” virou “estratégico” e chegaram ao ápice do oportunismo ao boicotarem as mobilizações e lutas contra o governo fraco e débil de Bolsonaro para “deixar o governo sangrar” até as eleições. A “esquerda” optou por inúmeras passeatas inúteis ao invés da construção de greves nacionais, não por erro tático, mas porque sua grande aposta para tirar Bolsonaro do poder sempre foi a via eleitoral.

O abstencionismo como linha auxiliar do “fascismo”

A defesa da democracia burguesa une conservadores, liberais, reformistas, mercado e empresas. Todos fazendo campanhas contra a abstenção eleitoral. Chegando em alguns casos, de esquerdistas reformistas, a dizerem que o abstencionismo é uma linha auxiliar do “fascismo’’, descontextualizando que foi a própria farsa da democracia burguesa que levou Bolsonaro até o poder, mas também ofuscando que todos erros, colaborações e traições de classe do reformismo do PT que fizeram gestar no Brasil o seu irmão siamês, à direita, o bolsonarismo.

Outra questão é a análise feita pela militância de forma geral de que a abstenção seria menor devido a polarização eleitoral, a qual se mostrou equivocada. O olhar da militância, seja ela reformista ou revolucionária, é muito limitado às suas respectivas bolhas de atuação, nos poucos locais que têm atuação, universidades federais ou outros setores do funcionalismo público, existe um abismo que distancia a maior parte da militância da realidade do povo. Por esse motivo, o campo de visão de uma militância que ainda é hegemonizada pela pequena-burguesia, mesmo que por instinto, tem um grau de alcance muito mais curto e leva a erros de análise, além de práticas muito mais moderadas que as do próprio povo.

Dentro das massas populares, seja o setor que vota ou o que não vota, desenvolveu-se uma repulsa à política parlamentar devido sua longa experiência histórica cheia de desilusões e traições. Por isso nas estatísticas o maior percentagem de abstenção eleitoral se concentra nas classes mais populares. E mesmo o setor do povo que vota, tanto à direita e também à esquerda, trata o voto de maneira muito mais pragmática e menos “idealista” que o setor da militância que é oriundo da pequena-burguesia.

Para o segundo turno, os mesmos que apostaram que a polarização iria ter impacto nas abstenções, apostam que a liberação de ônibus surtirá efeito redutivo, ou seja, entendem que ideologicamente o povo quer participar do teatro eleitoral, mas que não tem condições materiais para isso. Os que analisam dessa forma não olham com atenção nem mesmo para o caso específico brasileiro e muito menos para as tendências internacionais. Um elemento indispensável da conjuntura nacional é que desde a “reabertura democrática” a militância política no Brasil (à esquerda e a direita) é hegemonizada pelos extratos médios da sociedade e seus interesses, o mesmo extrato social que tem apreço pela democracia burguesa, pois goza de seguridade social nela. Por outro lado, a maior parte do povo brasileiro é composto de uma massa trabalhadora que está à margem de qualquer direito e que não tem apreço algum pela democracia, pois já vive em estado de exceção permanente antes mesmo da instituição da primeira república. Por fim deve-se levar em consideração que a crise da democracia burguesa é internacional e que o abstencionismo, ou seja, a descrença na democracia burguesa é crescente em todos os continentes.

As defesas do voto em Lula: para barrar o fascismo e a pobreza

Principalmente dentro da militância socialista, um dos argumentos que justifica o voto em Lula é que seria uma questão conjuntural, assim como usam exemplos históricos para justificar o seu oportunismo, desde o combate ao fascismo ao combate à pobreza.

Primeiro é preciso não banalizar conceitos históricos, o fascismo histórico é bem distinto do que é o governo Bolsonaro, ou o bolsonarismo, primeiro porque os fascistas são anti-liberais, tem um programa de nação claro e privilegiam a tomada do poder ou sua manutenção pela força. Por outro lado, não dá para negar o avanço do reacionarismo-conservadorismo no Brasil, porém o mesmo cresceu justamente devido às estratégias de conciliação e traição de classe do reformismo petista.

O PT plantou anos de desmobilização, de regressão de consciência e desorganização dos trabalhadores, anos de traições, de acordos e conchavos com a direita, reestruturação da repressão, criação de leis como lei das drogas, lei antiterrorista, criou a UPP, colocou a bancada evangélica e ruralista no governo, e a esquerda queria que fosse colhido o que?

Bolsonaro vai ter “que comer muito feijão com arroz” para chegar no nível de repressão que existiu nos governos do PT, vale lembrar das UPP nos morros do RJ, as operações militares no Haiti, as prisões nos protestos de junho de 2013, na Copa do Mundo e a já citada “Lei Antiterrorista”. Ou seja, antes de ser uma solução para derrotar o tal “fascismo”, o PT é parte do problema. Para se derrotar o bolsonarismo também é necessário derrotar o lulismo. A única maneira de se derrotar um fascismo seja o institucional que é real, ou seja, histórico, é organizando a classe trabalhadora numa linha de massa e combativa. Não temos caminhos fáceis e a curto prazo.

Sobre o combate à pobreza, fome, as análises da militância socialista colaboracionista jogam no lixo o método de análise materialista. Primeiro que a fome nunca acabou nos governos do PT. Nenhum governo do mundo resolveu todos problemas do povo, pois os mesmo são estruturais e o próprio Estado existe para garantir os privilégios e a exploração das massas populares. Mas os “pequenos avanços sociais” que aconteceram nos governo do PT se devem a uma particularidade da linha desenvolvimentista do PT de colaboração de classe, e principalmente, ao contexto econômico do país que permitia certas concessões às massas pobres, mas nada muito além do que já era previsto nas cartilhas neoliberais do FMI, recomendações de natureza anticíclicas e anti-revoltas populares por meio de políticas assistenciais.

Porém, em um provável novo governo do PT será difícil reproduzir o contexto dos primeiros mandatos do PT, principalmente devido ao contexto econômico mundial e também pela provável dificuldade de governabilidade em um governo petista. Sabendo disso o PT já vem dialogando com nomes do mercado como Henrique Meirelles e Pérsio Arida e se aproximando do centrão, deixando claro que vai continuar seguindo as imposições do mercado.

Abanonar a esquerda com suas ilusões e retornar ao povo

É necessário aos revolucionários terem autocrítica sobre os erros tomados nessas últimas décadas. Ao seguirem a estratégia da militância reformista centrando forças na disputa de bases e sindicatos das universidades públicas e do funcionalismo público, desse modo, aos poucos as organizações revolucionárias foram se “aburguesando”, se moderando de acordo com o ambiente, e assim sendo contaminados pelas práticas e valores presentes nesses meios, o que causou degeneração em nossas fileiras. Existe uma confusão do que é tática e o que é estratégica, ou há falta de ambas, não há diferenciação entre espaços ideológicos de minorias-ativas e os espaços de massa, falta clareza revolucionária e existem vários outros desafios que temos a superar.

Porém uma certeza podemos extrair da opção pela via eleitoral, ela só aprofunda o reformismo e as degenerações. O caminho eficaz para a libertação do povo será longo e penoso, mas os primeiros passos que devem ser dados é ir ao povo, à massa popular dos sem seguridade social, e nos inserirmos nela, aprendermos com ela, sempre respeitando a sua experiência histórica, sem sectarismo ou doutrinarismo. O objetivo deve ser construir uma via autônoma daqueles trabalhadores, que desprezam tanto a chamada esquerda, como a direita, sem vícios acadêmicos, sem idealismo abstratos. Assim deve começar o grande trabalho de reorganização da classe trabalhadora numa via autônoma e combativa de baixo para cima, para que no futuro tenhamos força real e viva para lutarmos em aliança junto a grande massa popular, nos garantindo somente na força do povo, sem mais ilusões eleitorais.

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