O novo governo Lula a serviço da velha ordem

Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº4, Janeiro/Fevereiro/Março de 2023.

Por Antônio Galego.

Apesar da esperança e alívio de uma parcela da população, assim como a raiva dos que votaram em Bolsonaro e temem “mudanças negativas”, a grande maioria dos trabalhadores sabem que a velha ordem seguirá intacta. Como diz a frase clássica “é preciso que tudo mude, pra que tudo fique igual”. Analisemos a nova administração, a oposição de direita e a tática da luta popular.

1) O caráter neoliberal do novo governo

Após a vitória de Lula as características da nova administração vão ganhando corpo. A Frente Ampla, com o discurso eleitoreiro do medo do “golpismo” e do “fascismo”, incorporou a maioria dos setores da grande burguesia e da burocracia sindical-popular. O governo não terá oposição de esquerda no parlamento. Tanto PSOL como PDT, MDB, PSD e União Brasil se uniram ao governo após as eleições, ampliando a base em 160 deputados e 34 senadores. Por trás da ilusão está a continuidade do projeto neoliberal, agora sob um modelo desenvolvimentista e “identitário”.

A Equipe de Transição, com a liderança do reacionário Alckmin, no setor da Educação deu protagonismo aos representantes do Itaú, Unibanco, Natura, Leman, organizadores do Novo Ensino Médio e da BNCC. Em relação a política econômica, Alckmin afirmou categoricamente em 26/11 que “ajuste fiscal vai ser feito e de maneira permanente” e que “não tem nenhuma reforma a ser desfeita, nenhuma”. Não haverá “revogaço” das reformas neoliberais e privatizações anteriores.

O tão esperado aumento do salário mínimo (SM), fundamental para 70% dos trabalhadores que recebem até 2 SM, não ocorrerá! O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou em 12/01 o aumento pífio para R$ 1.302,00 já proposto por Bolsonaro. Na política agrária e de segurança, dois setores estratégicos, a política é de continuidade ao governo anterior: fortalecimento dos latifundiários monopolistas, das forças militares e leis repressivas (vide os reacionários José Múcio no Ministério da Defesa e Carlos Fávaro na Agricultura). Na política internacional, o alinhamento ao imperialismo ianque “democrata” é evidente.

A política identitária na composição de uns dos poucos 37 ministérios, comemorada pela mídia e pela esquerda liberal, encontrará limites objetivos na grande política burguesa-imperialista que seguirá aprofundando a exploração e violência contra a massa popular que dizem representar. Precisarão de muita maquiagem e desculpas pra enxugar gelo no Estado brasileiro, genocida, racista e patriarcal até o tutano. Certamente colherão revolta.

Já na Carta aos Evangélicos (19/10/2022), Lula disse: “Com a prosperidade que ajudamos a construir, foi no nosso Governo que as Igrejas Evangélicas mais cresceram, sem qualquer impedimento e até tiveram condições de enviar missionários para outros países”. Uma clara mensagem, não às massas, mas aos barões das Igrejas. Analisamos melhor isso no texto “Anarquismo e Liberdade Religiosa” (p.7).

2) A oposição neoconservadora

Desde a vitória de Lula a oposição neoconservadora “bolsonarista” se fez sentir. Podemos citar dois momentos chaves: os bloqueios de rodovias e a invasão dos três poderes em 08 de janeiro [1]. Nenhum dos dois levou, nem poderia levar, a um “golpe”, como uma parte da esquerda acreditou de forma oportunista ou ingênua. Um golpe de Estado precisa de correlação de forças, e o governo Lula possui os grandes Impérios e Burgueses ao seu lado.

Ao contrário, após a invasão de 08/01 e a repressão que seguiu, políticos e empresários bolsonaristas (a exemplo do “véio da Havan”) passaram a apoiar o governo ou pelo menos se afastar de Bolsonaro. No fim, a invasão bolsonarista fortaleceu o Lulismo tanto por cima quanto por baixo. Também com os setores independentes de esquerda e anarquistas que saíram às ruas reforçaram a “defesa da democracia” e a “união antifascista” com os pelegos da CUT, UNE, PT e PCdoB.

3) As tarefas da luta popular

Muitos são os elementos que tentamos resumir aqui, e seguiremos analisando nas próximas edições. Mas em relação a uma linha de ação autônoma para os trabalhadores e militantes, é central algumas definições táticas e políticas:

1º) A burguesia em crise não só recorre a extrema direita, mas também a esquerda reformista para se salvar, seu objetivo principal é manter as taxas de lucro e o sistema em pé;

2º) Escolher a extrema direita, destituída do poder do governo, como “inimiga principal” da luta e agitação popular é um erro, é assumir que ela pautará a oposição, e que a tarefa dos lutadores do povo é se juntar ao governo lulista (ou pressioná-lo) para combate-la. É ser paragovernista.

3º) Os lutadores do povo devem se localizar na Oposição ao governo Lula e aos governistas no movimento popular, tendo em vista seu caráter burguês e neoliberal. Não apenas pela “revogação das medidas anteriores”;

4º) Porém, a tática de Oposição não deve seguir os erros anteriores, de se pautar pelo paradigma da troca de governo (do tipo “Fora Bozo”), mas combater sem compromissos as medidas antipopulares, desmascarando o caráter antipovo do governo e da burocracia sindical governista;

5º) Assim, a tática de oposição classista ao governo é impulsionar/apoiar as reivindicações materiais das massas através de assembleias, protestos e greves, ou seja, retomando as tarefas elementares da luta social, pressionando à mobilização mesmo nos setores populares identificados com um ou outro candidato;

6º) Renegar radicalmente a tática de oposição moralista e ultra-ideológica (nas redes sociais) que marcou a política da esquerda burguesa e identitária durante o governo Bolsonaro;

7º) O combate aos grupos da extrema direita, assim como aos reformistas pelegos, devem responder às tarefas das mobilizações e lutas dos explorados, e não pautados pela mídia, redes sociais ou pelas instituições podres do Estado brasileiro;

8º) Sem luta popular por direitos não haverá vitórias. A esquerda lulista e a direita bolsonarista não tem interesse em construir essa luta, apenas seus projetos de poder. Logo, assim como coube aos trabalhadores no século XIX se separar de toda política burguesa, urge a nós levantarmos o mesmo brado revolucionário e aplicar em nossa realidade o histórico lema: “a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores!”. ■

[1] Veja as duas análises em nosso site: oamigodopovo.noblogs.org

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