Por Antonio Galego.
Na 4ª edição do jornal O Amigo do Povo, lançada no início de janeiro, publicamos uma nota apoiando a greve nacional dos entregadores marcada pra dia 25/01. Porém, após a mesa de diálogo no dia 19/01 entre alguns líderes dos entregadores, centrais sindicais e o Ministério do Trabalho, a greve foi “cancelada” de cima pra baixo, uma orientação amplamente difundida nas mídias burguesas e governistas. Um calendário foi acordado, com previsão do Ministério apresentar uma proposta em 60 dias. Nada foi conquistado.
Porém, esqueceram de combinar com as bases. Apesar do respeito que algumas lideranças conciliadoras possuem, em muitas localidades (nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, dentre outros) a insubordinação à ordem de desmobilizar foi negada pelas bases e lideranças locais, que mantiveram de pé a greve para o dia 25/01. Esses fatos são da maior importância para os revolucionários e lutadores do povo.
Quando a unidade é rompida sob os gritos de unidade
A desmobilização do “Breque dos Apps” por um setor do movimento em aliança com o governo, enfraquecendo a luta direta dos trabalhadores contra os patrões e jogando o conflito para a tutela governamental, sem nenhuma garantia de conquista, é uma importante vitória do Lulismo e das empresas de aplicativos (Ifood e outras). Tudo foi feito em nome do “diálogo” com o governo, mas o diálogo tinha um preço: a desmobilização da greve.
Assim, o enfraquecimento da greve dos entregadores foi a primeira derrota parcial da luta classista sob o governo Lula. A derrota só não foi total pela resistência das bases que mantiveram a greve e a mobilização em algumas localidades, dando mais um exemplo de combatividade e autonomia.
O recuo das lideranças dos entregadores está relacionado também ao fortalecimento do governo após o ato bolsonarista em 08 de janeiro. A política pelega de “unidade antifascista” e “em defesa do governo e das instituições” teve pouquíssimas críticas, reunindo desde a revista Veja até setores de extrema-esquerda (incluindo alguns entregadores). Essa política deu retaguarda às medidas repressivas desencadeadas pós-08/01, como a medida do STF proibindo manifestações em via pública, que afetam diretamente as greves e protestos populares.
No dia 25/01 a política da esquerda reformista e burocrática foi tanto atacar a greve que “prejudicava a unidade”, quanto manter um silêncio covarde típico dos que abandonam a classe a sua própria sorte. Na prática o recuo dividiu e enfraqueceu as forças proletárias na véspera do combate, sem consultar ou ouvir a massa de entregadores, tudo por causa de uma reunião de gabinete. O bom e velho “dividir para conquistar”, muito útil aos tiranos e exploradores do povo, e que as burocracias de esquerda (PT, PCdoB, PSOL, CUT e CTB) sabem usar tão bem.
Assim, o recuo das lideranças dos entregadores demonstrou pelo menos quatro fatores da luta de classes nesse início de governo:
1) A política de desorganização e desmobilização da classe trabalhadora por parte do governo e das burocracias sindicais-partidárias será aprofundada, juntamente dos instrumentos jurídicos e militares da repressão do Estado;
2) Existe uma fragilidade política das propostas alternativas de mobilização frente a máquina de cooptação e desarticulação do Lulismo. Mesmo as organizações que em 2003-2016 se colocaram na oposição aos governos do PT (em especial a Conlutas, mas também organizações menores como CAB e FOB) hoje agem em maior ou menor escala a reboque do lulismo e sua agenda “antifascista”. A capacidade de uma mobilização antigovernista e anticapitalista de massas encontra sérios desafios, estamos pior que no início dos anos 2000.
3) Existe um conflito direção-base nos entregadores, as bases querem e confiam no enfrentamento (confiança conquistada nas importantes greves durante o governo Bolsonaro), por outro lado, as jovens direções estão mais dispostas à conciliação e ao prestígio (o “diálogo”!) oferecidos pelo novo governo Lula;
4) Assim como foram nos primeiros governos Lula, mais uma vez a palavra de ordem da “unidade dos trabalhadores” está em disputa entre reformistas x revolucionários: a) para os líderes conciliadores e reformistas a unidade significa na prática o abandono da luta, a confiança e obediência nas burocracias sindicais-partidárias e no governo, tudo que prejudique o “diálogo democrático” com o governo é “fazer o jogo da direita” e “romper a unidade”; b) para as bases combativas e para os revolucionários a unidade dos trabalhadores se constrói na luta concreta, nas greves e ações de resistência, é unicamente por essa via que as massas vão defender seus direitos hoje e construir a médio-longo prazo sua fortaleza para as batalhas maiores que virão. Para os revolucionários tudo que sabote a justa luta das massas é fazer o jogo da burguesia e, portanto, é romper a unidade na luta, a única real e necessária.
Como podemos ver são duas visões antagônicas da “unidade”: uma tem por base o governo e a dominação, outra tem por base a revolta e a libertação; uma age de cima pra baixo, outra de baixo para cima. Infelizmente os líderes conciliadores romperam a unidade com as bases para construir a unidade por cima com o governo burguês de Lula, sob uma política equivocada e descontextualizada baseada em “antifascismo”, “democracia” e “esquerda”. Esse erro não pode ser colocado debaixo do tapete, precisa virar uma lição para os trabalhadores e uma autocrítica para os líderes que quiserem reconquistar a confiança das bases.
Reorganizar a classe trabalhadora para as lutas que virão!
Não tem pra onde correr: se não houver rupturas com o Lulismo, e com o reformismo em geral, acompanhadas da construção de alternativas organizativas por parte de setores significativos das massas populares, a tendência para os próximos anos é de aprofundamento ainda maior da crise de organização e direção da classe trabalhadora. Superar essa crise exigirá uma constante crítica e autocrítica dos setores em luta e uma grande firmeza ideológica, afim de se posicionar corretamente e não ser levado pelo caminho mais “fácil”.
É fundamental que os entregadores e outros setores melhorem cada vez mais sua análise da realidade e sua organização, para impedir que pelegos e oportunistas se utilizem da luta ou a boicotem. Construir assembleias legítimas (e não aquelas dos sindicatos pelegos) pra dar voz e decisão pras bases, eleger comandos de greve, debater táticas de luta, defender a independência frente aos patrões e ao governo, etc. são algumas questões pra construir um movimento cada vez mais forte e consciente, que não peça ou negocie o fim da escravidão dos aplicativos, mas imponha a justa vontade de liberdade, direitos e dignidade dos trabalhadores.
Viva a ação direta dos entregadores de aplicativo!
Abaixo o peleguismo e a burocracia sindical!