Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº7, Outubro/Novembro/Dezembro de 2023.
Antonio Galego e Aurora
Se aproxima mais uma eleição para as direções e conselhos escolares das escolas públicas do Distrito Federal. Mais do que uma apologia do processo é necessário refletirmos como ele se relaciona com as estruturas políticas e econômicas às quais está inserido. Lembremos sempre que quando falamos de gestão estamos falando de poder. Isso é fundamental para entender as limitações e ilusões envolvidas nesses eleições.
Uma reflexão crítica quase não tem sido feita. O que temos visto por parte do GDF/SEDF, dos sindicatos (SINPRO e SAE) e das direções escolares é um discurso apologético sobre a “democracia” em abstrato, sobre as possibilidades de “transformação” das escolas, etc. As próprias chapas se diferenciam muito pouco entre si. Se vota mais pelas pessoas do que pelas propostas. Além disso, existem questões que sequer entram no debate e que tentaremos expor aqui.
Uma democracia com “cidadãos de segunda categoria”? Crítica do elitismo e racismo implícitos na “gestão democrática”
Segundo dados divulgados pelo SAE-DF, existem hoje 5.600 educadores sociais e cerca de 16 mil terceirizados na rede de ensino. Todos esses milhares de trabalhadores precarizados (em sua maioria negros) não possuem qualquer direito político nas instâncias decisórias da escola, não são reconhecidos ou incluídos pela “gestão democrática”. Os “encarregados” (capatazes!) não são eleitos e frequentemente são acusados de assédio, ameaças e desrespeito.
Atualmente, em sala de aula, existem 14.472 professores em contrato temporário e 7.913 professores efetivos (fonte: Correio Braziliense). Isso também afeta as relações de poder dentro das escolas. Na “gestão democrática” os professores temporários possuem direitos restritos (não podem ser eleitos, só podem votar sob certas condições, etc.). Em algumas escolas os “efetivos” estão nos cargos de direção e todos em sala são “temporários”, em outras existem salas de professores separadas para efetivos e temporários, são exemplos que demonstram como as divisões trabalhistas se transformam em desigualdade de poder e discriminação.
Essa situação de marginalização social e política de pelo menos 36 mil trabalhadores escancara a superexploração e o racismo que a tal “gestão democrática” não consegue sequer maquiar, que dirá transformar. Pelo contrário, ela se adapta e reproduz as discriminações criando uma “democracia” excludente e elitista. A situação dos terceirizados é escandalosa. Por isso que a preocupação sincera de alguns (inclusive o SINPRO) por “mais diretores negros e mulheres” é insuficiente, pois estamos falando de uma rotatividade e representativididade entre a camada superior minoritária de professores efetivos, enquanto a massa precarizada segue excluída.
Os limites institucionais da “gestão democrática”
Existem outros fatores que limitam na prática a democracia almejada nas escolas. Primeiramente podemos citar o atraso nas eleições (que era pra ocorrer em 2022) e a própria incerteza de sua realização, tudo por que o processo é dependente do governo de turno. As verbas e “projetos” que são impostas de cima para baixo não satisfazem as necessidades escolares, mantendo as direções e conselhos escolares (por mais bem intencionados que sejam) com pés e mãos atados.
Muitas instituições da Secretaria de Educação não são “democráticas”, os chefes são indicados. Assim funciona as CREs, a EAPE, a própria SEDF. Mas porque não são eleitos também? Por que não existem “conselhos participativos” nesses órgãos?! Assim a dita “democracia escolar” está submetida a chefes e órgãos superiores antidemocráticos.
Por fim, a realização a cada 4 anos das eleições limitam a participação estudantil e comunitária. O estudante que entrar ano que vem no ensino médio não escolherá em momento nenhum a gestão escolar. Os conselhos escolares na maioria das escolas são inoperantes e as decisões importantes são tomadas por órgãos externos, pelas direções ou por reuniões exclusivas de professores (as “coordenações”).
Recuperar o que é central para avançar na luta por uma escola a serviço do povo
Nem tudo na vida tem a mesma importância. Pros trabalhadores pobres essa é uma verdade cruel. Muitas coisas servem pra desviar nossas energias do que é o central. As eleições escolares são uma delas. Não estamos dizendo que aqueles que se candidatam “são inimigos”. Mas não deve haver ilusões. A esquerda e a direita institucionais tem alimentado uma grande ilusão com eleições e cargos (conselho tutelar, direção de escola, conselho de cultura, etc.) e no fundo a crise social só piora e nos vemos enxugando gelo, dando “um passo a frente e dois pra trás”.
Devemos retomar o básico e o que central na luta social: 1º) Existe um conflito de classes na Educação; 2º) Não haverá conquista sem Luta; 3º) Os setores mais marginalizados e explorados (terceirizados, temporários, estudantes e comunidades pobres) são decisivos para realizar mudanças; 4º) Para a melhoria das escolas e das condições de vida o principal é a luta e a organização coletiva, de base; 5º) Ou seja, devemos construir um movimento sindical, estudantil e comunitário forte, unido, classista e combativo.
Mas, infelizmente, os caminhos que podem trazer mudanças reais tem sido pintados de “utópicos”, e o caminho ilusório (institucional/eleitoral) tem sido chamado de “realista”. São os sintomas da crise que tem nos arrastado pro buraco. É preciso resistir à tentação eleitoreira, ou então veremos o que resta de movimento social no DF e no Brasil ser tragado por completo pelos cargos e compromissos governamentais.