Publicada no Jornal O Amigo do Povo, nº11, Novembro/Dezembro de 2024.
J.C. Ramos
A indisciplina na militância é frequentemente discutida, é generalizada a frouxidão na adesão dos indivíduos às normas e ao programa de organizações e partidos. A indisciplina é um obstáculo para a organização e o cumprimento desde tarefas simples às complexas, oque afeta o desenvolvimento do trabalho politico cotidiano.
Há tempos a disciplina é um tema em disputa. Lênin argumentava que a disciplina devia ser proletária, aquela adquirida nas fábricas (disciplina mecânica), enquanto Rosa Luxemburgo criticou essa visão, associando-a a uma reprodução do Estado burguês e propondo a autodisciplina como uma alternativa que rompia a hierarquia e que buscava uma reeducação por meio da práxis política. Bakunin, revolucionário da geração anterior a eles e também defensor da autodisciplina, ora foi um inimigo ferrenho de modelos disciplinares mais rígidos, outrora visou encontrar um meio-termo e defendeu que na ação politica uns deviam dirigir e ordenar, outros executar as ordens. Mas nenhuma função de comando deveria se petrificar.
Estas abordagens foram testadas historicamente, mas nenhuma se adequa à realidade atual, marcada pelo liberalismo e individualismo. As fragilidades nos vínculos sociais dificultam o engajamento em projetos coletivos a longo prazo, um aspecto crucial para qualquer modelo disciplinar. Nesse cenário, surgem figuras como os coaches, um produto do estado geral de desorientação onde a ideia de disciplina se torna superficial e individualizada, acompanhando o ideal do homem sozinho empreendedor de si próprio.
Lenin, Rosa e Bakunin formularam teses partindo do modelo disciplinar de suas épocas, disseminados nas fábricas, igrejas, quartéis, escolas e famílias. Hoje, apesar da flexibilização do trabalho sugerir maior liberdade, pois rompe com o rígido modelo disciplinar do passado, na verdade, gera desorientação e necessidade constante de direcionamento. O resultado é uma frustração em massa devido à busca infrutífera pela disciplina e esgotamento dos mais disciplinados devido à sobrecarga de tarefas. Neste contexto, a questão que surge é: se nem no mundo do trabalho prosperam modelos disciplinares engajadores, já que as pessoas mudam de emprego e profissões constantemente, como será possível reproduzir com sucesso os modelos disciplinares do passado nas organizações politicas de hoje?
Atualmente, é urgente uma nova Disciplina Revolucionária, construída coletivamente a partir das demandas e dilemas organizacionais enfrentados na luta de classes. Essa disciplina deve diferenciar-se entre as organizações de base e as de vanguarda, mas compartilhar os mesmos princípios éticos. Em meio à desorientação generalizada, a disciplina torna-se essencial para o sucesso do trabalho revolucionário e atua como um atrativo político, sendo hoje uma qualidade escassa e amplamente demandada. Em vez de modelos, deve-se criar uma cultura disciplinar que responda à decadência do mundo liberal. ■