Anarquismo e a Questão do Imposto

Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº6, Julho/Agosto/Setembro de 2023.

Antonio Galego

Influenciado de um lado pelo reformismo e republicanismo burguês que domina a esquerda brasileira, e por outro pelas doutrinas neoliberais e rentistas que dominam a direita e os governos de fato desde os anos 90, o debate sobre a questão do imposto perdeu quase completamente um contraponto da crítica socialista revolucionária. Palavras de ordem como “taxação das grandes fortunas”, “redução da taxa de juros”, “impostos é roubo”, etc. se tornaram mantras das disputas entre frações burguesas do Estado.

As massas populares, ameaçadas diariamente em suas condições de vida, se veem órfãs de uma ideia que expresse o seu instinto de revolta contra as pesadas taxas que lhe rouba o Estado, ou seja, se vê desarmada de uma crítica classista ao sistema fiscal. O objetivo desse pequeno texto é retomar algumas bases teóricas desde um ponto de vista proletário e revolucionário. Continuar a ler

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A revolta das lavadeiras de Taguatinga

Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº6, Julho/Agosto/Setembro de 2023.

Érico.

Cena do filme “A Revolta das Lavadeiras” de 1982.

Em 1960 um grupo de mulheres trabalhadoras protagonizou uma das primeiras revoltas da cidade. Elas habitavam, junto com suas famílias, num acampamento provisório da Novacap, em Taguatinga (DF). O terreno foi cedido para a moradia provisória dos operários da construção, face a ilusão de que os “candangos”, homens e mulheres migrantes, habitariam o Plano Piloto de Brasília.

Dada a situação provisória do acampamento, as moradias sem infraestruturas contavam apenas com uma bomba d’água comunitária que distribuía aos barracos água para tanques, chuveiros e torneiras. A bomba foi doada por Sarah Kubistchek, cedendo ao pedido dos moradores do acampamento. Enquanto isso, Israel Pinheiro, à época prefeito de Brasília já possuía parreiras na Granja do Ipê (região entre Riacho Fundo e Núcleo Bandeirante), residência oficial e propriedade que habitava. Sem estrutura para irrigar sua plantação, ele ordenou que os encarregados da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) expropriassem do acampamento a bomba d’água doada aos trabalhadores. Continuar a ler

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Algumas lições da greve dos professores do DF

Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº6, Julho/Agosto/Setembro de 2023.

Aurora e Antonio Galego.

No dia 04 de maio foi iniciada a greve dos professores do Distrito Federal. Ela ocorreu em um contexto diferente das anteriores, se deu contra a vontade da direção do sindicato (Sinpro/CUT). Mesmo com sistemáticas falas contrárias e inclusive com tom acusatório contra os defensores da greve a ampla maioria dos professores decidiu pela adesão ao movimento paredista, reivindicando a recomposição salarial e melhores condições de trabalho. O movimento surpreendeu pelas assembleias massificadas e pela participação ativa nos piquetes.

Entretanto, a surpreendente massificação e anseio da base pela vitória não se traduziu em uma condução condizente. A diretoria do Sinpro (PT e PCdoB), se utilizando de suas estruturas centralizadas, conseguiu quase a totalidade de delegados no comando de greve, restringiu as falas da oposição, deixando-as para momentos de pouca importância. Conduziu uma greve sem energia e sem inovação, entediante, baseada em apenas quatro táticas: assembleias semanais, piquetes de convencimento, pressão parlamentar e atos pontuais. Nesse aspecto foi muito pior em termos de métodos do que as greves de 2015 e 2017.

Entretanto, por mais que esta greve tenha demonstrado de forma mais nítida a existência de duas velocidades na categoria: o marasmo da burocracia sindical e o desejo de mobilização da base, isso não se traduziu em uma nítida oposição base-direção. A habilidade discursiva e a capacidade de controle dos instrumentos de greve, combinadas com a falta de linha das oposições, fez com que a direção de opositora à greve, assumisse a dianteira do processo de condução da mesma. Continuar a ler

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O dia do Cerrado e os desafios agrário-ambientais da luta dos povos

Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº6, Julho/Agosto/Setembro de 2023.

Aurora

O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, correspondendo a mais de 20% da cobertura vegetal do país, ele abriga as nascentes dos rios São Francisco e Araguaia-Tocantins, além dos principais afluentes das bacias Amazônica e do Prata, por conta desta característica alguns pesquisadores chegam a denomina-la como a “caixa d’agua do país”. Xavantes, Kraô-Kanela, Tapuias, Guarani Kaiowá, Terena, Xacriabas, Apinajé -, pescadores, ribeirinhos, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, retireiros do Araguaia, vazanteiros, geraizeiros, sertanejos, acampados, assentados, são uma pequena amostra da diversidade de povos que habitam a região há mais de 12 mil anos.

Todo esse potencial hídrico combinado com uma geomorfologia favorável e um discurso de que existe um vazio demográfico fizeram com que o cerrado, de biodiverso, venha sendo cada vez mais substituído pelos desertos da monocultura, do agronegócio, das hidrelétricas e da mineração. As estimativas é que 40% da sua área original já tenha sido convertida em pastagens, campos de monocultura. Nos últimos anos essa devastação tem se intensificado e, em 2023, bateu recorde. Para se ter uma ideia do tamanho da devastação, em 2022 existiam 1886 áreas em alerta no Cerrado, em 2023 esse número subiu ainda no primeiro trimestre para 2133! No mês de maio de 2023 houve um aumento de 83% do desmatamento no Cerrado em relação ao mesmo mês do ano passado. Continuar a ler

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Animais, mais valiosos que os trabalhadores?

Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº6, Julho/Agosto/Setembro de 2023.

Érico.

Foto: Carroceiros no Sol Nascente. Arquivo pessoal.

A lei 5.756 aprovada em 2016 pela Câmara Legislativa do Distrito Federal e regulamentada pelo decreto nº 40.336 tem por objetivo proibir e criminalizar a utilização de veículos de tração animal incluídos no processo de catação e frete de resíduos sólidos. A proposta bem estruturada e bem-intencionada, no entanto, não considera a situação de vida imediata dos trabalhadores que buscam por esse meio sua subsistência e sobrevivência.

Não é difícil identificar onde vivem esses trabalhadores, e em quais circunstâncias. Nas periferias da cidade sob intenso trabalho, agora se veem sem saída diante da lei. Certamente fazemos a defesa de que a vida de qualquer ser deve ser respeitada, porém, numa sociedade cada vez mais individualista, antissocial e anticoletivista, a preferência em “dar dignidade” a outras espécies têm prevalecido em detrimento da dignidade do homem. Especialmente tratando-se do trabalho e da sobrevivência. Continuar a ler

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México: Os territórios zapatistas à beira de uma guerra civil

Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº6, Julho/Agosto/Setembro de 2023.

Aurora

Os territórios autônomos zapatista da região de Ocosingo, Chiapas, vem enfrentando diversos intentos de desalojamento por parte de grupos paramilitares. A ORCAO (Organização Regional de Cafeicultuores de Ocosingo) é um dos principais grupos que vem protagonizado ataques às comunidades autônomas, em especial as pertencentes a região autônoma Moisés y Gandhi.

Desde 2019 as denúncias se multiplicam. Os zapatistas já tiveram que lidar com a destruição de suas plantações, com a queima da mercearia Arco Íris, tiros direcionados às escolas autônomas, com o sequestro e tortura de membros das comunidades. Recentemente em meio aos intensos tiroteios que assombram a região um promotor de saúde zapatista de 22 anos, Jorge López Sántiz, foi alvejado. A sua situação de saúde ainda é delicada. Continuar a ler

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A política de preços da Petrobrás segue a mesma no governo Lula

Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº6, Julho/Agosto/Setembro de 2023.

Antonio Galego

O Preço Paritário de Importação (PPI) foi uma política arbitrária adotada pela Petrobrás em outubro de 2016 durante o governo Temer (MDB). De 1953 à 2016 a política de preços da Petrobrás seguia outros critérios.

Mas o que é o PPI? Com base no PPI o preço de todo o petróleo e seus derivados (como a gasolina, gás de cozinha, diesel, etc.) consumidos no Brasil são calculados como se fossem importados. Porém, o Brasil tem potencial industrial não só de produzir o petróleo consumido internamente como de exportar excedente. A necessidade de importação é mínima, então por que estipular um preço como se tudo fosse importado quando de fato não é? Continuar a ler

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Tradução | As Jornadas de Junho de 1848 – de “La Solidarite Révolutionnaire”

Matéria do jornal La Solidarite Révolutionnaire, nº 4, Barcelona, 1º de julho de 1873.

*Tradução: Érico.

Nota introdutória, por Antônio Galego.

Como parte da nossa contribuição às comemorações dos 10 anos da insurreição de junho de 2013 no Brasil, nós temos a honra de publicar a tradução do camarada Érico do artigo histórico “As jornadas de Junho” de 1848, sobre a insurreição popular na França há 175 anos atrás. Esse artigo foi publicado originalmente na 4ª edição de “La Solidarite Révolutionnaire”. Ainda que separados pelo tempo e espaço, ambos os processos demonstram o caráter internacional dos dilemas do proletariado, ontem e hoje, no mundo todo.

O jornal “La Solidarite Révolutionnaire” (A Solidariedade Revolucionária) foi um órgão de propaganda bakuninista criado em junho de 1873 (há 150 anos atrás!) e editado em Barcelona por refugiados franceses da guerra franco-prussiana de 1870-1871. Os seus lemas eram “Anarquia – Coletivismo – Materialismo”, assim como “Nem direitos sem deveres, nem deveres sem direitos”, expostos em seu cabeçalho. Continuar a ler

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O futuro da nossa corrente: carta aos lutadores do povo e militantes revolucionários

Por Antônio Galego, diretor-geral do jornal O Amigo do Povo.
Brasil central, 22 de maio de 2023.

Foto: mesa de abertura do 1º ENOPES, novembro de 2013.

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Índice:
1 – Três momentos históricos “perdidos”: a ruptura anti-governista, o insurrecionalismo de 2013 e o retorno do cão arrependido
   1.1 – A CONLUTAS e a chance perdida de avançar na reorganização do proletariado
   1.2 – A insurreição proletária de 2013 e um novo ciclo da luta de classes
   1.3 – Ascensão do bloco conservador e a capitulação da “esquerda”
   1.3.1 – A farsa do golpe de 2016 e a relegitimação da política reformista
   1.3.2 – O “Fora Bolsonaro” e o paradigma da troca de governo
   1.3.3 – A política liberal-burguesa do “fique em casa” e suas consequências
   1.3.4 – A “unidade antifascista” a serviço da conciliação de classes
   1.4 – Como as organizações anarquistas nacionais se posicionaram nesses contextos
2 – Algumas questões candentes da política e da organização dos revolucionários
   2.1 – A crise do anarquismo brasileiro e a tarefa de construção do partido
   2.2 – A tática paralelista dos “sindicatos autônomos” da FOB e a reconstrução de uma linha classista e combativa no movimento de massas
   2.3 – A luta ideológica contra o identitarismo e a renovação do “anarquismo de estilo de vida”
   2.4 – Quem são os sujeitos da revolução brasileira? A fragmentação da classe, os setores estratégicos e as tarefas dos revolucionários
   2.5 – Os revolucionários e a questão nacional brasileira
3 – Um convite à reunificação das forças social-revolucionárias

“Podem estar certos de que o trabalho não será perdido — nada se perde neste mundo — e as gotas de água, por serem invisíveis, nem por isso deixam de formar o oceano.” Mikhail Bakunin

A situação política nacional teve mudanças significativas na última década. Há dez anos atrás estávamos na véspera da insurreição popular de junho de 2013, num contexto social e político explosivo, em que uma semana valia mais que um ano. Desde então houveram mudanças gerais nos agrupamentos das classes e na correlação das forças políticas no Brasil. Vivemos hoje a maior crise da classe trabalhadora e do socialismo desde a redemocratização, uma situação de isolamento e fragmentação que não atinge apenas as organizações anarquistas mas também todas as forças socialistas autênticas, somadas à diminuição desde 2016/2017 do número de greves (série histórica do Dieese) e de ocupações de terras (CPT) e ao fortalecimento do autoritarismo estatal e da exploração dos trabalhadores (seja em seu modelo conservador ou desenvolvimentista). Enfim, vivemos uma situação histórica de defensiva do proletariado.

Nos dirigimos aqui aos velhos e novos militantes que ainda se mantém firmes nas ideias socialistas revolucionárias e na luta classista. Nosso objetivo aqui é apresentar um balanço do último período, tendo como base a experiência em organizações que ajudamos a construir, em especial a UNIPA (União Popular Anarquista) e a FOB (Federação das Organizações Sindicalistas Revolucionárias do Brasil), com base também em análises de conjuntura e das diferentes tendências do movimento de massas. A partir disso pretendemos traçar linhas gerais para a retomada de uma atuação classista e revolucionário. Não haverá futuro se não entendermos nosso passado, onde estão os acertos e erros, não só aqueles que viveram e que acumularam cicatrizes físicas e emocionais, mas também aos jovens militantes. Continuar a ler

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Sobre a luta reivindicativa e o papel do trabalho de base combativo: nem subjetivismo, nem fatalismo.

Este texto foi escrito em outubro de 2013 por Antônio Galego à Plenária Nacional da RECC e ao 1º Encontro Nacional de Oposições Populares, Estudantis e Sindicais (ENOPES) que ocorreram em novembro do mesmo ano no Rio de Janeiro. Na época Galego era militante estudantil da Oposição CCI ao DCE-UnB.

Por Antônio Galego, outubro de 2013.

“… a ciência social, enquanto doutrina moral, não faz outra coisa senão desenvolver e formular os instintos populares. Mas entre estes instintos e esta ciência, há no entanto um abismo que é preciso preencher. Pois se os instintos justos fossem suficientes para a libertação dos povos, eles já estariam libertos há muito tempo. Estes instintos não impediram as massas de aceitar no decurso da sua história, tão melancólica e tão trágica, todos os absurdos religiosos, políticos, econômicos e sociais de que foram eternamente vítimas.” (Mikhail Bakunin)

O objetivo inicial desse texto era combater o subjetivismo na militância, aspecto este responsável em grande parte por erros no curso das lutas reivindicativas e que levam em muitos casos a posteriores “desilusões” ou sectarismos diversos, porém, com o desenrolar da reflexão vimos a importância de incluir o seu oposto na crítica (o fatalismo), tendo em vista dissolver mal entendidos e de fato apresentar uma análise mais “completa” (ainda que obviamente com diversas lacunas). 

Primeiramente, devemos entender que as lutas reivindicativas não são logicamente construídas, elas não ocorrem ou deixam de ocorrer simplesmente por serem consideradas mais “justas” ou não, ou seja, as lutas reivindicativas não se formam unicamente por meio da argumentação lógica da justeza de uma causa “X” ou “Y” (o mesmo vale para a revolução: ela não é construída por meio da propaganda e da explicação lógica para os trabalhadores de que a revolução é necessária para acabar com seus males). As lutas reivindicativas ocorrem pelas condições objetivas e históricas que se encontra determinada fração de classe específica (no caso de reivindicações específicas), e o que determina se elas são lutas reivindicativas avançadas ou atrasadas é determinado nesse sentido por estes fatores históricos e objetivos, ou seja, relativos. Por exemplo, a luta internacional pela jornada de trabalho de 8 horas, ocorrida desde o século XIX, não nos torna mais avançados por lutarmos pela jornada de 6h atualmente. O mesmo pode ocorrer em algum local do país onde os estudantes estejam reivindicando o meio-passe, ao invés do passe-livre. Ou trabalhadores rurais que reivindicam o pagamento do salário atrasado, da marmita estragada, ou demais lutas reativas e defensivas, ao invés do salário mínimo indicado pelo DIEESE. Estudantes que defendem a não adesão ao ENEM, ou o fim das taxas do vestibular, ao invés do fim do vestibular. Talvez realmente em termos políticos estas sejam reivindicações “atrasadas”, porém, o são relativamente ao que está em pauta nas frações ou setores mais avançados do proletariado brasileiro, mas não, muitas vezes, em relação as condições particulares de determinado local de trabalho, estudo ou moradia.  

As conjunturas de refluxo ou assenso colocam toda a classe trabalhadora nestas condições, até mesmo seus setores mais combativos. Não é uma simples escolha própria (uma questão de decisão) fazer lutas “defensivas” ou “ofensivas”. Devemos sim compreender nossas tarefas na atual conjuntura internacional, nacional, estadual, em cada curso, escola, etc. e a partir das condições que encontramos nestes locais, buscar, a partir do nível de organização, da consciência da fração de classe, do nível de conflito social, disputar (isso sim!) o curso do desenvolvimento da luta reivindicativa. O que significa “disputar o curso da luta”? Significa dar a nossa opinião, a nossa orientação, propor métodos e formas de organização combativas, desfazer ilusões e desmascarar os oportunistas aos olhos da base, demonstrando que uma direção combativa pode levar as massas para as vitórias imediatas e históricas. E tudo isso especialmente pela prática, pela ação, pelo exemplo.  Continuar a ler

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