Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº1, Março/Abril/Maio de 2022.
por Carlos José da Silva.
O lixo eletrônico é o lixo que mais cresce no mundo. Somente no ano de 2019, estima-se que foram gerados 53,6 milhões de toneladas deste tipo de lixo em todo o globo. O Brasil é o maior gerador de lixo eletrônico da América Latina e o quinto maior do mundo.
Os impactos deste tipo de resíduo no meio ambiente são imensos e se destacam ainda mais devido a metais tóxicos (como o chumbo, o cádmio e o mercúrio) que estão contidos em alguns destes produtos e que, dentre outras coisas, causam contaminação das águas e gravíssimos danos à saúde humana e animal.
Os catadores de materiais recicláveis, desde sempre, foram os principais responsáveis por amenizarem o impacto destes produtos no meio ambiente. Eles sempre coletaram os resíduos eletrônicos nos lotes baldios, nas portas das casas, e nos lixões, destinando-os, primeiramente, para a reutilização e, em segundo lugar, para a reciclagem.
Enquanto as empresas lucraram bilhões e degradaram o planeta, os catadores viveram em condições de grande miséria, salvando o meio ambiente de uma situação ainda pior, e sofrendo grande exploração, humilhação e preconceito, além de todos os impactos à saúde produzido pelo contato com estes produtos.
Para além dos catadores de rua, em inúmeras cidades do país, os resíduos eletroeletrônicos são coletados pelos programas de coleta seletiva do município, sendo destinados às cooperativas de catadores de materiais recicláveis.
Nos últimos anos, entretanto, as fabricantes de produtos eletrônicos criaram um sistema de logística reversa que tem roubado estes materiais dos catadores. Desde 2010, com a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, todas as empresas (incluindo fabricantes, importadoras, distribuidoras e comerciantes) são obrigadas a implementarem sistemas de logística reversa.
Em resumo, logística reversa significa a responsabilidade das empresas de darem um destino ambientalmente correto aos resíduos dos produtos que elas produzem e lançam no mercado.
Depois de um acordo setorial (2019) e da aprovação de um decreto federal (2020), a ABREE (Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos), entidade gestora de um sistema de logística reversa organizado pelas fabricantes de eletroeletrônicos, passou a assinar termos de parceria com prefeituras de todo o país.
Neles, a prefeitura continua a coletar os resíduos eletroeletrônicos, mas ao invés de destiná-los às cooperativas, passam a destiná-los ao sistema de logística reversa gerido pela ABREE.
Essa entidade gestora faz acordos com empresas de reciclagem, que passam a ter o monopólio dos resíduos eletrônicos coletados pelo município, sem precisarem passar por qualquer licitação.
As cooperativas de catadores perdem, com isso, o acesso a todos os produtos eletroeletrônicos, diminuindo em torno de 20% a renda dos seus cooperados.
As fabricantes de eletroeletrônico dizem, com isso, que estão cumprindo a sua obrigação definida em lei, quando na verdade estão tão somente se apropriando da coleta que já era realizada pelo poder público (coleta paga com recursos dos impostos).
Existem muitas formas das cooperativas participarem deste sistema de logística reversa, mas, no geral, elas tendem a perder a autonomia que possuem para triar e vender os materiais.
É a ABREE quem define quem pode ou não fazer parte deste sistema de logística reversa, podendo deste modo criar exigências que estão muito além da capacidade da maioria das cooperativas, além do fato de que, ao fazer parte do sistema, as cooperativas são obrigadas a destinar todo o resíduo eletroeletrônico para a Central de Logística Reversa, sem poder vender de modo mais rentável os seus produtos.
Somente a resistência dos catadores de materiais recicláveis poderá barrar mais esse avanço, dentre muitos outros, das empresas sobre os materiais dos catadores. Sem luta, não há vitória! ■