Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº1, Março/Abril/Maio de 2022.
por Antônio Galego.
“Benedicta Cipriano Gomes, moça de vinte anos e inculta, começou aos seus dezoito anos (…) a ser acometida de certos fenômenos patológicos bem conhecidos na nossa medicina, fenômenos esses que se serviu ela com o concurso de outros indivíduos, para implantar, desde logo, a desolação e a miséria em torno de vários lares pobres e rústicos, trazendo, desta arte, até o desassossego para o Poder Público, cujas autoridades se quer já eram respeitadas nesse antro de bruxaria.”
(Relatório do Chefe de Polícia do Estado de Goiás, 24/20/1925.)
Muitos já ouviram falar de Antonio Conselheiro e de Canudos, mas quem já ouviu falar no movimento da santa Dica em Goiás? Benedicta Cypriano Gomes, ou “Dica” como era conhecida, nasceu em Pirenópolis em 1903. Após a sua suposta ressureição em 1920, Dica começou a ser tratada como santa por milhares de camponeses da região. Iniciava assim no interior de Goiás, na pequena fazenda chamada “Monzodó”, o mais importante movimento messiânico-popular do estado.
Em 1923 a pequena fazenda se tornou um vilarejo conhecido por “Lagoa”, aonde Dica reuniu cerca de 500 famílias, e até 70 mil pessoas a visitaram em romaria. No território do movimento de santa Dica a propriedade da terra era coletiva, não possuía cercas ou demarcações, e o movimento chegou até a ocupar terras de latifúndios ao redor para a produção de subsistência dos camponeses pobres do vilarejo.
Como mostra a citação inicial, o movimento foi duramente perseguido, tanto pelo Estado e pelos ricos como pela Igreja Católica. Um discurso de demonização do movimento como “incivilizados” e “hereges” foi construído pelas classes dominantes que passavam por um desejo de progresso capitalista no estado. O movimento igualitário e messiânico de Dica foi tido como uma ameaça ao sistema e no dia 14 de outubro de 1925 houve a grande repressão pelas forças policiais (o “dia do fogo”) na qual dezenas de pessoas foram mortas ou feridas, Dica foi presa e o movimento teve seu fim… Mas segue vivo na memória e nas lutas por justiça e por uma terra livre para os trabalhadores goianos e brasileiros! ■