Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº4, Janeiro/Fevereiro/Março de 2023.
Por Aurora.
Mais um 8 de março se aproxima, mais um ano que relembramos o dia das mulheres que lutam. A data sempre nos convida a refletir sobre avanços, desafios e conquistas no âmbito da luta das mulheres. Nesse ano, aproveitamos para pensar os desafios que a conjuntura tem nos colocado para avançarmos em nossas pautas.
No que tange as demandas das mulheres atualmente vemos que no Brasil existem dois projetos em disputa: o projeto neoconservador e o projeto identitário “progressista”. Um chamado de direita outro de esquerda. O primeiro deles busca resgatar o papel das mulheres como “progenitora”, ressaltando o papel do homem (pai, patriarca, etc), se posiciona contra o aborto, se arrogando da defesa da família (essencialmente nos moldes tradicionais/burgueses). O segundo, busca soluções para a questão da mulher no âmbito individual, trazendo a liberdade individual e de “escolha” para o centro das pautas. Sendo assim, o segundo projeto vai defender (ou ao menos aceitar) o aborto como um direito de decisão individual das mulheres, vai desconstruir a ideia da família (ora ampliando o conceito, ora negando sua importância).
Ambos os projetos vão se infiltrando a partir de respostas a determinadas conjunturas. Enquanto o projeto neoconservador avança devido a precarização da vida e a consequente desestruturação de famílias (desemprego, alcoolismo, etc), o projeto progressista aparece como uma adaptação as demandas “de baixo”, das legítimas lutas antidiscrimantórias, ao mesmo tempo que orienta formas de “luta” dentro do sistema.
Enquanto o projeto conservador nega a diversidade em prol de uma suposta unidade, o identitário progressista as abarca, mas as fragmenta. Sendo assim o identitarismo vai disseminar valores supostamente anti-racistas, anti-machista, anti-capacitista, enfim “inclusivos”, e vai se utilizar de suas estruturas (organismos multilaterais, discursos empresariais, parlamentares, educação, mídia, etc) para pautar o formato “adequado” de se combater as opressões. Do outro lado, o conservadorismo também vai espalhar sua ideologia a partir das Igrejas, políticos e tentando hegemonizar os discursos nas escolas (escola sem partido, projetos de criminalização da suposta ideologia de gênero, etc).
No embate entre esses dois projetos da ordem, as organizações e militantes da classe trabalhadora não conseguem dar uma solução de fato radical, antissistêmica. Enquanto taxam o projeto conservador como “fascista” e, portanto, indiscutível, homogeneízam e criam uma barreira ao diálogo com um amplo setor da classe trabalhadora. Do outro lado, em relação ao projeto identitário não conseguem se diferenciar estruturalmente. Ora simplesmente o defendem pois é “menos pior” do que o conservador ora o criticam apenas de forma pontual (rivalizando em questões como raça e classe mas ainda vistas de forma fragmentadas).
Para nós anarquistas é importante que tenhamos claro que ambos os projetos são variações dentro da ordem burguesa, ambos são neoliberiais! O projeto progressista apaga as contradições de classe e busca resolver a questão da mulher no âmbito do Estado e do Mercado. O projeto neoconservador utiliza a fé religiosa como forma de cegar as mulheres de sua opressão no mundo real. O patriarcalismo e o machismo, como já dizia Bakunin, são fundamentos do Estado e para romper com eles precisamos de uma luta integral contra o modelo patriarcal de família, contra o Estado e contra o capitalismo. ■