10 anos das Jornadas de Junho

Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº5, Abril/Maio/Junho de 2023.

Érico.

Manifestantes ateiam fogo no Itamaraty em 20 de junho de 2013.

As Jornadas de Junho de 2013 certamente são um dos marcos mais relevantes para a história social e política do Brasil desde a virada deste século. O fenômeno social e político com características insurrecionais demonstrou a fúria e a força da população com os problemas sociais profundos e históricos do país. Colocou em xeque o mito da passividade do povo brasileiro, e também fez instalar as crises políticas nas diferentes escalas de poder do Estado, dos partidos, e dos sindicatos institucionalmente reconhecidos, e tensionou a luta de classes.

Diversas leituras foram feitas sobre o período, e é unânime na contextualização das demandas e insatisfações que a classe trabalhadora vinha acumulando com as instituições de Estado, e pontualmente com os anos de conciliação, aprofundamento de crises, imobilização que os governos petistas apresentaram. Naquele ano, ainda, a Copa das Confederações, evento teste para a Copa do Mundo da FIFA, e mais tarde, os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, faziam fervilhar a indignação dos trabalhadores nas ruas, ora pelos gastos bilionários destinados aos eventos, com claros interesses burgueses dos grandes veículos de mídias, mega empresas nacionais e internacionais e políticos; ora pela afetação direta causada pelos despejos a famílias que moravam nas redondezas das instalações esportivas.

De fato, as Jornadas de Junho tiveram alcances e anseios que ultrapassavam a lógica do imediato das reivindicações, como exemplo os 20 centavos em São Paulo, e também a lógica da escala nacional, não havendo pautas somente nacionais. As ruas foram ocupadas e construídas coletivamente segundo, e em articulação as demandas regionais e nacionais. As manifestações embora ocorressem em maior proporção e quantidade nos estados da região sudeste – São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, dão sinais que tensões já ocorriam em outros estados e regiões do país. Como exemplo uma manifestação combativa ocorrido em janeiro de 2012 num município marginalizado do Entorno do Distrito Federal, Novo Gama (GO), contra as péssimas condições do transporte público que utilizavam para se deslocar ao Distrito Federal onde trabalhavam e estudavam, e as condições da GO-520.

Mas se fica evidente o caráter classista e combativo em que as pautas emergiam e faziam das ruas o lugar do povo, estremecido, o governo do PT e seus satélites (PSOL, PCdoB, CUT, UNE etc.) construíam uma narrativa e agiam de maneira a deslegitimar as mobilizações. Sem o controle das massas, sem a influência dos sindicatos oficiais e das entidades representativas, a primeira acusação insinuada e continuamente reforçada por essa esquerda é de que aqueles movimentos não representavam a classe trabalhadora, e era de origem burguesa e de direita contra um “governo popular”.

Como aponta Andrey Cordeiro Ferreira (2018) atores antagônicos – lulismo-petismo e liberais – convergiam em suas opiniões sobre as jornadas de junho: havia o surgimento de uma sociedade civil conservadora e reacionária, segundo eles.

As características das mobilizações e lições para pensar o futuro

As Jornadas de Junho apresentaram no horizonte a capacidade organizativa estratégica e as táticas para o enfrentamento nas grandes cidades brasileiras. A desobediência civil, a resistência ativa e ofensiva, a autodefesa e as ocupações foram táticas importantes para que se mantivesse constante as mobilizações e a resposta contra a violência policial e as ofensivas do Estado. Ferreira (2018) aponta que a intensidade com que as manifestações e as táticas supracitadas ocorriam, formando a lógica espacial de rede por todo o território, impedia que o Estado articulasse a capacidade de decisão rápida e que atingisse a todos os pontos do território com a mesma intensidade na ação defensivo-ofensiva das polícias.

O acúmulo dos descontentamentos e a independência dos coletivos e movimentos em relação aos partidos, sindicatos e do governo foram e são cruciais para que haja articulação política, de estratégia e tática para enfrentar as forças do Estado e as políticas impostas a classe trabalhadora e a desmobilização provocada principalmente pelos partidos políticos e movimentos satélites. ■

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