Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº5, Abril/Maio/Junho de 2023.
Aurora.
A notícias dos recentes massacres nas escolas tem chocado a sociedade brasileira. Aquelas notícias que pareciam que só existiam longe, nos EUA, estão se tornando uma realidade também aqui. Segundo dados da Unicamp, do total de 22 ocorrências desde 2002, 13 delas estão concentradas nos últimos dois anos. A análise sobre as motivações para tal barbárie é complexa pois envolve tanto elementos psicossociais como estruturais.
Não vamos nos debruçar sobre como se formou a subjetividade de cada um dos assassinos pois corremos o risco de cairmos em uma análise demasiado restrita. Por mais difícil que seja, pensamos que é importante pensar de um ponto de partida estrutural.
Acreditamos que um dos primeiros pontos a se desmitificar é a análise hegemônica da esquerda, patrocinada pelos influencers do PT/PSOL, de que tais fatos são diretamente derivados de 4 anos de “discurso de ódio” propagado pelo Bolsonarismo. Bem, por mais que não neguemos que existe uma proliferação de discursos de ódio, convém evocar uma análise materialista antes de confundir causa e consequência.
O discurso cria a realidade ou o contrário? Temos claro que todo e qualquer discurso nasce de uma realidade material. Se vivêssemos em uma realidade de paz, o “discurso de ódio” não se proliferaria tão facilmente. Entretanto, o Brasil vem construindo uma realidade de ódio ao longo dos últimos 30 anos com o aprofundamento do neoliberalismo. Em uma sociedade onde impera a guerra pela sobrevivência e o individualismo, os laços de solidariedade e coletividade são desestimulados. O discurso de ódio nasce daí, desse modelo de sociedade, e se prolifera neste contexto e não o contrário.
Convém também analisar a segunda parte da tragédia, a farsa das soluções. De um lado, os educacionistas vão defender que temos que fortalecer a escola, pois “foram anos deslegitimando a educação”. Do outro os autoritários, vão defender um maior aparato repressivo (rigor nas leis, mais polícias nas escolas, revistas diárias). Há ainda os charlatões que defendem que é apenas trocar os políticos que proliferem discursos de ódio por outros com discursos mais amorosos.
Todas as três soluções são idealistas e não resolvem o problema. Sobre os primeiros convém lembrar que a escola, longe de ser salvação nesse quebra-cabeça do ódio, é apenas mais uma peça. Ela é fruto dessa sociedade. Nela se expressam todas essas mazelas sociais que estão em seu entorno. Os ataques a elas não são por acaso, afinal, é mais uma estrutura coercitiva da sociedade. Aos autoritários lembremos que o enrijecimento de leis, o aumento de forças repressivas, não garante uma realidade de paz. O Brasil tem a terceira maior população carcerária, perdendo apenas pra China e para os EUA! Sobre os últimos, não sejamos ingênuos acreditando em discursos bonitos enquanto estruturalmente as práticas são as mesmas.
O que precisamos é parar de buscar atalhos e sim construir uma ampla e profunda mudança da nossa sociedade, destruindo tudo aquilo que atende à lógica do capital, inclusive esse modelo falido de escola. Destruir a realidade de ódio para então destruir o discurso, e não o contrário. Canalizar o ódio social aos verdadeiros inimigos da liberdade e dignidade do povo. Conquistar a solidariedade e a igualdade de fato entre todos para então regenerar a moral social e individual. Construamos, enfim, a revolução, ou então teremos que nos acostumar a mais esta barbárie fruto do capitalismo que desestrutura nosso tecido social. ■