O Novo Arcabouço Fiscal de Haddad e a vitória da Austeridade

Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº6, Julho/Agosto/Setembro de 2023.

Camilo.

Um dos argumentos mais utilizados pelo PT e por Lula desde 2016 até a eleição de 2022 consiste em denunciar o impeachment da Dilma, a perseguição por parte da Lava-Jato, a prisão de Lula e sua decorrente impossibilidade de concorrer ao pleito de 2018, como partes de um avanço primeiro da direita tradicional (PSDB e partes do PMDB) e, em seguida, da extrema-direita bolsonarista sobre os direitos sociais garantidos pela Constitutição de 88 e os programas redistributivos de renda criados em seus governos. O então candidato Haddad, ao final do primeiro turno da eleição de 2018, defendeu o que o PT era a última salvaguarda da Constituição de 88. Agora, na posição de ministro da fazenda, Haddad dá continuidade e promove um frontal ataque contra aquilo que havia prometido defender. Corretamente, o PT havia apontando que o Teto de Gastos do Temer é uma medida que visava e que teria êxito em pôr abaixo o acordo social expresso em 88. Uma vez no governo, contudo, o PT altera seu discurso original e passa a exercer o mesmo papel que havia denunciado dos seus adversários. Vamos capitular brevemente o que está em jogo.

No que é consiste a Constituição de 88? Os gastos públicos sociais em educação, saúde e previdência passariam a crescer a fim de que os serviços públicos fossem universalizados e se constituíssem em uma espécie de salários indireto dos trabalhadores, que agora poderiam usufruir de serviços públicos gratuitos como o SUS. Embora essas promessas tenham ficado apenas no papel e suas realizações foram um tanto quanto insuficientes, a Constituição de 88 garante que esses gastos sejam obrigatórios, isto é, que não possam ser alterados a menos que se mexa na própria Constituição. Nenhum governo, por força da sua vontade, pode contrair os benefícios previdenciários sem que isso passe por uma emenda constitucional no Congresso. Esse dispositivo limita a capacidade de políticas neoliberais de implementarem corte no orçamento social e torna muito mais penoso o processo de realizá-las.

O Teto do Temer foi o golpe mais duro contra os direitos sociais no Brasil desde 1988. De acordo com a emenda Constitucional 95, aprovada no Congresso em novembro de 2016, os gastos públicos foram congelados por vinte anos. Isso significa que o aumento do orçamento total do governo federal só poderia crescer de um ano após o outro de acordo com a inflação vigente no período. Segundo se imaginava pelos defensores do teto, à medida que a arrecadação do governo aumentasse, todo novo recurso seria destinado unicamente para o pagamento da amortização e juros da dívida pública. Não mais seria possível expandir os gastos com saúde e educação, por exemplo, a menos que outro componente do orçamento público fosse cortado. No entanto, boa parte do orçamento federal destina-se ao pagamento das pensões dos trabalhadores aposentados. Como existe uma tendência de crescimento vegetativo dos gastos previdenciários, que ocorre conforme mais trabalhadores naturalmente se aposentem, todos os demais gastos precisariam em alguma momento serem contraídos. E, de fato, ao contrário do que os defensores do teto alegavam quando da sua aprovação, os orçamentos da saúde e educação foram substancialmente contraídos entre 2016 e 2022, algo que todos nós sentimos na pele. E, mais: não houve nenhuma recuperação econômica no período em termos de crescimento dos empregos e muito menos de salários.

O Novo Arcabouço Fiscal (NAF) do governo Lula e desenhado pela equipe de Haddad no governo é, a despeito do que dizem seus defensores, uma continuidade do governo Temer. A diferença fundamental é que o gasto público total pode crescer acima da inflação. O gasto poderá se expandir em 70% do crescimento da arrecadação federal. Caso a arrecadação não cresça em nada, os gastos ainda poderão crescer 0.6%. Se a arrecadação obtiver um resultado muito positivo, no entanto, os gastos só podem crescer em 2,5%. Essas taxas de crescimento são muito baixas para atender a demanda real dos trabalhadores pelos serviços públicos. Basta notar que, nos governos Lula I e II, o crescimento dos gastos foi da ordem de 75% – muito acima do melhor cenário de Haddad. No caso hipotético que a economia volte a crescer, 30% da arrecadação igualmente terá que se destinar para pagar juros da dívida pública. Como o setor público possui um papel relevante para impulsionar o mercado interno igualmente, é de se esperar que não haja um alívio no desemprego. Some-se a isso que em algum momento será necessário cortar esses gastos para acomodar o peso da previdência. Ainda que mais ameno, ao final, o NAF acaba por realizar o mesmo objeto original do governo Temer – um ataque aos direitos dos trabalhadores. ■

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