Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº7, Outubro/Novembro/Dezembro de 2023.
Aurora.
A CPI do MST surgiu em maio desse ano comandada pela direita parlamentar e teve seu fim em setembro. Cada sessão era um teatro no qual a direita buscava um palco para agradar sua base, em especial os ruralistas, ganhar apoio de um setor do povo e reaquecer a criminalização da luta pela terra. O teatro acabou sem nenhum resultado, nem mesmo a aprovação (ou desaprovação) do relatório final foi possível, pois a votação não conseguiu ser realizada antes da data prevista para o encerramento da CPI. Entretanto ainda que a CPI tenha sido “derrotada” cabe tirar dela algumas lições.
Em primeiro lugar, é importante ter em mente que apesar de ter ficado conhecida como CPI do MST ela não atingiu apenas o movimento, visava dar um recado também a outros movimentos de luta pela terra. Isso fica explícito no relatório final onde a criminalização se direcionava não apenas ao MST, mas também integrantes de outras organizações, como Zé Rainha, líder da Frente Nacional de Lutas Campo-Cidade (FNL), que aparece como um dos nomes a ser indiciado.
As investidas do relator (Ricardo Salles – PL) e de sua base de apoio se centrava principalmente em torno das ocupações, dando assim um recado a todos os movimentos que se utilizam dessa tática histórica de ação direta camponesa, e a tentativa de imputação de enriquecimento ilícito dos líderes. A oratória se construiu a partir de factóides e fatos isolados. Salles chegou a afirmar, sem nenhuma comprovação estatística, que há um aumento de ocupações a partir de janeiro de 2023, imputa também supostos crimes cometidos pelos sem-terra contra produtores rurais tentando estabelecer relações entre o movimento e o narcotráfico.
Zucco deixou claro que mesmo sem aprovação do relatório, serão encaminhados diversos projetos de lei que fariam parte do chamado pacote “Invasão Zero”. Nos PLs que compõe o pacote estão previstas punições mais severas à ocupações de propriedades privadas produtivas (PL 938/2023), permissão de ação policial para reintegração de posse em áreas de ocupação sem necessidade de ordem judicial (PL 8262/2017) e até mesmo a tipificação de terrorismo a atos “violentos” contra propriedade pública ou privada (PL 149/03).
Em meio a ofensiva dos reacionários, a esquerda parlamentar responde de maneira inofensiva, se restringe aos marcos “democráticos” e não consegue romper com o legalismo. Acredita que a melhor tática é agir de forma conciliadora, como o Dep. Valmir Assunção (PT) que ao sair em defesa dos movimentos afirmou que “[…] tal relatório não representa nem o agronegócio, nem a agricultura familiar”. A esquerda institucional perdeu, definitamente, o horizonte do socialismo e a luta por uma desconcentração radical da terra. Defende retoricamente uma política de reforma agrária recuada, voltada apenas pros latifundios improdutivos, não ataca o modelo produtivo do agronegócio, que é a causa da concentração de terras, e apenas o divide entre os bons e os ruins (reacionários).
A resposta correta aos ataques da direita latifundiária deve ser uma resistência maior das organizações populares. Não será cedendo às chatangens da direita, buscando ser “bons moços” e se manter nos marcos do legalismo que conquistaremos a terra. Os latifundiários sabem que existe uma justa demanda crescente por terra que pode explodir a qualquer momento. Os problemas causados por anos de êxodo rural, o crescimento rápido e desorganizado das grandes cidades, a falta de emprego, saúde, transporte, a violência, são alguns dos problemas estruturais do Brasil que pressionam os pobres a retomarem as ocupações de terra. É contra esse barril de pólvora que os ricos se antecipam com a “CPI do MST” e o pacote “Invasão Zero”. O que os lutadores e movimentos populares precisam fazer é se colocar a altura das demandas populares, sem se deixar intimidar, se preparar pra luta e organizar o povo pra retomar a sagrada e legítima luta pela terra em nosso país. ■