Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº7, Outubro/Novembro/Dezembro de 2023.
Antonio Galego
A nova onda de governos “progressistas” na América Latina ocorre em condições piores pra classe trabalhadora do que no início dos anos 2000. Naquele momento muitos países, inclusive o Brasil, vinham de processos de lutas populares que imprimiram uma pressão maior naqueles governos. A experiência, ainda que limitada, de luta nos anos 80/90 (contra o neoliberalismo de Sarney, FHC…) foram importantes pra transformar as desilusões com os primeiros governos do PT em uma política antigovernista à esquerda nos movimentos sindical e estudantil.
Hoje a situação é diferente. Chegamos ao último trimestre de 2023 e o caráter burguês, militarista e neoliberal do governo Lula-Alckmin é explícito (apesar de alguns disfarces toscos através do discurso identitário). Sua relação com as massas populares é pífia, instrumental, eleitoral. O novo governo Lula não surge de lutas e organizações populares, ao contrário, assume abertamente a tarefa de impedi-las. Além disso, o grande projeto de acumulação capitalista e estruturação do Estado não rompe no fundamental com os governos anteriores, senão que o faz com mais eficiência. Alguns exemplos podem ser citados:
- A não revogação das reformas trabalhista, previdenciária e da política de preços da Petrobrás, além de encaminhar novas reformas neoliberais como a tributária e administrativa.
- A criação de um novo Teto de Gastos (o “arcabouço fiscal”).
- A ampliação das privatizações, incluindo as áreas de Educação, Saúde, Presídios, etc. além de cortes milionários em Saúde e Educação.
- O Novo PAC voltado para expandir a acumulação de capital da grande burguesia nacional e internacional.
- O apoio do Brasil em mais uma ocupação militar imperialista no Haiti.
- O apoio do governo ao “PL do Veneno” e à liberação de agrotóxicos.
- A continuidade dos desmatamentos, da violência no campo e das chacinas nas favelas, com o aprofundament da política de apoio aos militares e latifundiários.
- A postura dúbia e oportunista em relação ao Marco Temporal e ao Novo Ensino Médio.
Todas essas medidas aprofundam a superexploração e a violência contra os trabalhadores. Onde está a “vitória contra o fascismo”? Mas a passividade e as ilusões dos trabalhadores vão se rompendo aos poucos. No dia 03 de outubro ocorreu um dia de luta contra as privatizações, com a paralisação unificada de metroviários, ferroviários e trabalhadores de saneamento de São Paulo. Houve paralisações também na Embraer, Petrobrás, greve na USP e outros protestos menores.
Apesar de importantes esses protestos e paralisações ainda são muito localizados, corporativos (de empregados públicos) e controlados pelas burocracias sindicais. Os governistas do PT, PCdoB e PSOL tem inclusive apoiado algumas lutas se forem convenientes para a disputa eleitoral municipal de 2024. Além disso, a palavra de ordem “contra a privatização” possui um limite importante, grande parte dos trabalhadores das empresas “públicas” já são terceirizados (por décadas de neoliberalismo). As organizações proletárias devem levar isso em consideração, construindo reivindicações e táticas de luta unitárias.
Estamos numa conjuntura da luta de classes onde o proletariado está na defensiva, a burguesia está com condições de impor os seus objetivos de classe. Nesse aspecto é uma situação parecida com o primeiro governo Lula. Mas a defensiva do proletariado hoje é agravada por uma ainda mais profunda crise de organização e consciência da classe trabalhadora, pela influência da polarização burguesa entre Lulismo x Bolsonarismo, pelo avanço da superexploração do trabalho e das políticas de repressão.
A tarefa principal é transformar a defensiva passiva em defensiva ativa, ampliando a resistência e as lutas reivindicativas mais elementares das massas populares. Não fazer a luta por interesse eleitoral X ou Y é uma traição que não pode ser tolerada, e os governistas fazem isso o tempo todo. Todos sabem disso. Eles fogem da luta como o diabo foge da cruz. Eles temem que as greves, protestos, assembleias possam prejudicar seus interesses governamentais. Por isso, uma defensiva ativa exige uma ruptura com o governismo lulista e uma política de oposição classista ao governo burguês de Lula-Alckmin.
É necessário compreender o papel do PT, CUT e UNE na desorganização e desmobilização das massas populares nas últimas décadas. E se, como falavam os clássicos, a organização popular é a mãe de todas as conquistas, então essa questão ganha uma importância central. Sacrificar a organização das massas não é justificável sob nenhuma hipótese, ainda mais por cargos e conchavos governamentais. A construção de uma resistência ativa pelas reivindicações populares exigirá uma política complementar de reorganização das massas trabalhadoras. ■