Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº7, Outubro/Novembro/Dezembro de 2023.
Samih al-Qasim (1939 – 2014) nasceu em Zarqá, no seio de uma família drusa. Formado professor, depois da publicação de seus primeiros poemas foi proibido pelo colonialismo sionista de exercer a profissão. Foi preso em várias ocasiões. É considerado um dos maiores e mais combativos poetas palestinos.
Discurso no mercado do desemprego
Talvez perca — se desejares — minha subsistência
talvez venda minhas roupas e meu colchão
talvez trabalhe na pedreira… como carregador… ou varredor
talvez procure grãos no esterco
talvez fique nu e faminto
mas não me venderei
ó inimigo do sol
e até a última pulsação de minhas veias
resistirei
talvez me despojes da última polegada da minha terra
talvez aprisiones minha juventude
talvez me roubes a herança de meus antepassados
móveis… utensílios e jarras
talvez queimes meus poemas e meus livros
talvez atires meu corpo aos cães
talvez levantes espantos de terror sobre nossa aldeia
mas não me venderei
ó inimigo do sol
e até a última pulsação de minhas veias
resistirei
talvez apagues todas as luzes de minha noite
talvez me prives da ternura de minha mãe
talvez falsifiques minha história
talvez ponhas máscaras para enganar meus amigos
talvez levantes muralhas e muralhas ao meu redor
talvez me crucifiques um dia diante de espetáculos indignos
mas não me venderei
ó inimigo do sol
e até a última pulsação de minhas veias
resistirei
ó inimigo do sol
o porto transborda de beleza… e de signos
botes e alegrias
clamores e manifestações
os cantos patrióticos arrebentam as gargantas
e no horizonte… há velas
que desafiam o vento… a tempestade e franqueiam os obstáculos
é o regresso de Ulisses
do mar das privações
o regresso do sol… de meu povo exilado
e para seus olhos
ó inimigo do sol
juro que não me venderei
e até a última pulsação de minhas veias
resistirei
resistirei
resistirei