Quem somos nós e quem são nossos inimigos?
Análise de conjuntura e orientação política e estratégica do Grupo Libertação Popular
Comunicado nº1 do Grupo Libertação Popular – GLP, Brasil, maio de 2024.
Contato: glp.nacional@inventati.org
Aos militantes do movimento sindical, estudantil, operário, e camponês; A juventude, as mulheres trabalhadoras, ao povo oprimido, negro e indígena; Aos sinceros lutadores do povo, em partidos, sindicatos, cooperativas e demais entidades; Ao bravo povo brasileiro de forma geral.
O Grupo Libertação Popular (GLP) é uma tendência classista e combativa que atua nos movimentos e lutas da classe trabalhadora. Nesse documento apresentamos uma síntese da nossa análise da realidade brasileira e da nossa orientação política e estratégica.
Nosso agrupamento é filho da crise de organização e direção das massas populares no Brasil, que atinge hoje seu nível mais elevado. São décadas de burocratismo e eleitoralismo dos principais partidos e centrais de esquerda, corroendo, reprimindo e desacreditando os esforços mais autênticos de construção da revolução brasileira. Hoje, a esquerda e a direita são, igualmente, marionetes da grande política burguesa. Uma grande parte do povo percebe isso.
Engana-se quem pensa que as massas populares estão absolutamente cooptadas pela política burguesa. A apatia relativa e aparente das massas é mais um fruto da desconfiança (ou seja, de sua sabedoria) e de sua desorganização classista, do que da diminuição do seu instinto de revolta contra a exploração e a opressão. Por outro lado, as contradições econômicas e políticas do capitalismo brasileiro se acumulam. Não precisa ser vidente pra saber que novas e importantes batalhas se avizinham, se acumulando por debaixo da superfície de aparente calmaria.
Mas o velho resiste em morrer e o novo não consegue nascer. É nesse contexto de crise profunda da organização das massas que surge como necessidade histórica e incontornável a reorganização da classe trabalhadora e das forças revolucionárias.
O GLP surge para contribuir com esse processo, fortalecendo as lutas e organizações populares, retomando um projeto estratégico de organização a partir das autocríticas e aprendizados das últimas duas décadas de militância. Sabemos que a concepção socialista revolucionário tem hoje pouca expressão na classe, mas essa situação só será resolvida com um intenso trabalho militante e uma clara orientação do que fazer.
1 – A nova república burguesa e as políticas neoliberais
As bases do capitalismo dependente brasileiro não foram alteradas desde a “redemocratização”. Nos governos de Lula e Dilma (2003-2016) houve uma continuidade das políticas neoliberais dos governos Sarney e FHC, especialmente com o pacote de reformas trabalhista, previdenciária, sindical e universitária já no 1º Governo Lula. Apesar de não ter conseguido aprovar em bloco, as reformas foram sendo aprovadas em partes, atacando sistematicamente os direitos dos trabalhadores (tal como o Super Simples, o REUNI, Lei das Centrais, etc.). Não houve reversão das privatizações, ao contrário, o PT ampliou-as através da Lei das PPPs para rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, etc.
A ocupação do Haiti, a criação da Força Nacional, a Lei Antiterrorista, a Lei Antidrogas, a criação das UPPs, a Lei Geral da Copa, são exemplos do impulso ao militarismo e à repressão dados pelos governos petistas. Os grandes investimentos estatais para a produção capitalista de cana, soja, carne, exploração mineral e energética, especialmente através do PAC 1 e 2, fortaleceram a burguesia agro-extrativista, o latifúndio e a bancada ruralista (o chamado “agronegócio”) atacando territórios camponeses, indígenas, quilombolas e superexplorando os operários das “obras do PAC” e demais megaprojetos. A terceirização, que representava 4 milhões de trabalhadores em 2003, subiu para 12,7 milhões em 2013, um crescimento de 108%.
Tudo isso gerou conflitos e grandes revoltas populares durantes a primeira fase de governos petistas. O fato é que o PT construiu mitos (da soberania nacional, da nova classe média, da democracia racial e de gênero, da participação social e do ambientalismo, etc.) que não correspondiam à realidade da massa trabalhadora (cada vez mais precarizada e marginalizada) nem às transformações estruturais nas relações de produção e de poder. Apenas uma pequena esfera superior de trabalhadores integrados e com altos salários, e uma pequena-burguesia associada ao Estado, enfim, uma burocracia-aristocracia de trabalhadores, gestores, servidores públicos e sindicalistas acenderam parcialmente a esse “paraíso petista”. Parcialmente porque diversas categorias de servidores públicos foram atacadas e fizeram lutas importantes nessa primeira fase de governos petistas.
Por sua vez os governos Temer e Bolsonaro (2016-2022) representaram uma grande ofensiva contra os direitos do povo. Podemos dizer que esse ciclo de governos de direita representou uma reação burguesa, ultraliberal e militarista, ao novo ciclo da luta de classes aberto com a revolta popular de 2013. A revolta de 2013 foi marcada não só pelos protestos massivos nas ruas, mas também por uma ascensão das greves e lutas combativas do proletariado, que arrancaram direitos e aumentos salariais, rebaixando as taxas de lucro dos patrões e ameaçando grandes projetos capitalistas. A greve de garis no RJ em 2014 é um exemplo disso. O impeachment de Dilma (PT) fez parte desse contexto, não como um “golpe contra a democracia”, mas um rearranjo do bloco no poder para impulsionar essa ofensiva burguesa.
As reformas trabalhista de Temer e previdenciária de Bolsonaro, a aprovação da “Teto de Gastos”, de novas privatizações (Eletrobrás, BR Distribuidora, Codesa, etc.), a política de preços da Petrobrás (PPI), expansão legal da terceirização através da Lei 13.429 (2017) e do Decreto 9.507 (2018), arrocho salarial, cortes em áreas sociais e ambientais, o Novo Ensino Médio, a militarização de escolas, o apoio à burguesia agro-extrativista, e o aparelhamento de altos cargos militares e líderes religiosos no governo, foram algumas das medidas antipopulares que avançaram nesses governos. Na pandemia de Covid-19, com uma catástrofe social e sanitária, o governo Bolsonaro aumentou os benefícios para a burguesia, enquanto aumentavam as demissões, mortes e a miséria por toda parte.
Todos esses governos de esquerda ou de direita desde a redemocratização fizeram programas assistenciais focalizados, inclusive Temer e Bolsonaro. As mudanças na política assistencialista ao longo dos anos são de grau e de forma, inclusive se compararmos os próprios mandatos petistas. Um exemplo foi o Fome Zero criado em 2003 por Lula e que substituiu o Programa Comunidade Solidária criado em 1995 por FHC. A criação de programas assistenciais focalizadas de “mitigação da pobreza” combinadas com o aprofundamento estrutural da superexploração, concentração do capital e da terra, privatizações, precarização de serviços públicos é fruto também das orientações do Banco Mundial e FMI. São políticas, acima de tudo, de controle dos pobres e do seu potencial insurgente. Não são uma novidade do PT nem tem nada de “socialistas” (sic!). Essa confusão ideológica precisa ser desfeita, e os oportunistas desmascarados. Chega de migalhas e ilusões! A alternativa é a retomada das lutas reivindicativas por terra, salário, moradia, transporte, saúde, e tantas outras, único terreno fértil para o desenvolvimento da consciência de classe e auto-organização popular.
A realidade da massas proletárias e da pequena burguesia
Essas políticas governamentais foram deixando suas marcas na composição da classe trabalhadora. Hoje no Brasil, segundo dados do IBGE (jan/2014), existem 100 milhões de trabalhadores ocupados. Além desses, somam-se 8,3 milhões que estão desempregados e 3,6 milhões considerados desalentados (que já desistiram de procurar emprego). Ou seja, a classe trabalhadora compreende um quantitativo de no mínimo 112 milhões de homens e mulheres, sem contar as múltiplas relações de exploração de crianças, jovens e idosos que não aparecem nas pesquisas. Do total de trabalhadores ocupados 39,2 milhões estão na informalidade (13,4 milhões no setor privado sem carteira + 25,5 milhões de trabalhadores por conta própria). Cerca de 6 milhões estão ocupados no setor doméstico, majoritariamente feminino e negro.
No setor privado com carteira de trabalho estão empregados 38 milhões de brasileiros. A assinatura da carteira, no entanto, está longe de ser garantia de direitos e estabilidade. Segundo dados do advogado trabalhista Jorge L. Souto Maior, desse total na iniciativa privada existem 18 milhões de postos de trabalho terceirizados. O apoio a terceirização por todos os governos nas últimas décadas fez a mesma se expandir por setores e atividades cada vez maiores, sendo um dos símbolos da precarização legalizada do trabalho. Hoje, cerca de 80% das empresas brasileiras realizam algum tipo de terceirização em suas operações. O recente escândalo de centenas de trabalhadores terceirizados em situação de escravidão em vinícolas no sul do país tendem a aumentar.
Da soma de todos os setores precarizados destacados acima (ocupados, desempregados e desalentados) chega-se à quantidade de 75 milhões de trabalhadores excluídos de direitos básicos, sem estabilidade e submetidos aos regimes mais brutais de exploração e opressão. Esse número se relaciona diretamente com outros dados, como renda e educação formal, como veremos mais a frente, formando a camada inferior do mercado de trabalho, o proletariado marginal.
A “aristocracia” dos trabalhadores brasileiros, com maior estabilidade, renda e proteção social, são os servidores públicos, que representam apenas 12,1 milhões (IBGE, jan/2024). Uma parte dos trabalhadores da iniciativa privada com carteira de trabalho (não terceirizada) também podem ser incluídos como parte dessa aristocracia. Assim, uma quantidade alargada dessa camada superior de trabalhadores pode ser estimada em menos de 30 milhões. Mas é um número alargado e relativo: 1º) pois existem diferenciações internas nesses setores (de servidores públicos e da iniciativa privada com carteira), especialmente devido ao avanço da precarização do trabalho em certos níveis da educação e da saúde, da realidade de servidores de cidades pequenas, das inúmeras relações de superexploração dentro do setor privado, entre outras situações que não aprofundaremos, mas que reconhecemos e analisaremos em outra ocasião; 2º) Pois sendo a realidade da maior parte das massas populares tão penosa, essa camada superior de trabalhadores na maioria dos casos só pode ser considerada “privilegiada” de forma relativa, em geral possuem direitos básicos, ameaçados constantemente pelas políticas neoliberais, e seguem sendo exploradas e oprimidas de diferentes formas. Apesar de relativa, a diferenciação interna no mundo do trabalho é real e fundamental para entender as categorias, a luta de classes e traçar estratégias de ação.
O setor dirigente da esquerda brasileira, ou seja, do sindicalismo, do movimento estudantil e dos partidos políticos é formada por essa aristocracia de trabalhadores, pela burocracia sindical e partidária e uma pequena-burguesia estatista. Esses setores, por sua posição social privilegiada em relação ao resto da massa do proletariado, seja financeiramente, culturalmente ou politicamente, possui interesses diferentes e contraditórios aos dela. Ainda que falem em “socialismo” nos dias de festa, por todas as suas condições materiais de vida, por sua dependência do Estado e por seu adestramento mental pela ciência oficial e pela ideologia burguesa, não possuem uma vontade real e consequente com a destruição do sistema do qual se beneficiam (ainda que fiquem com as migalhas da grande burguesia). Não estão dispostos a enfrentar os riscos de um movimento revolucionário que no seu processo (guerra civil, crises) e nos seus objetivos (coletivização da economia, fim dos privilégios, etc.) ameaçam suas condições e estilos de vida.
Relacionada ao avanço da precarização e superexploração do trabalho está a realidade de miséria, baixos rendimentos e outros males que afligem as massas. Segundo dados do IBGE (Síntese de Indicadores Sociais/2023) sobre as classes de rendimento domiciliar per capita mensal, cerca de 60,1% dos brasileiros vivem com até um salário mínimo per capita, enquanto 31,8% tiveram renda entre um e três salários mínimos per capita mensalmente e apenas 8,1% receberam mais de três mínimos mensais per capita todo mês. A pesquisa também revela que 10,8% da população (23,2 milhões de pessoas), vivem com até um quarto do salário mínimo per capita mensal (R$ 303,00), enquanto 29,6%, cerca de 63,8 milhões de pessoas, tinham uma renda de até meio salário mínimo per capita (cerca de R$ 606,00). Ou seja, a superexploração do trabalho fica evidente, pois além de trabalhar longas jornadas e em ritmo intenso, a classe trabalhadora recebe uma remuneração abaixo dos níveis necessários para a sua sobrevivência.
A baixa escolaridade também tem sido uma realidade para as massas, apesar de toda propaganda governamental. Quase 20% dos jovens de 14 a 29 anos sequer terminaram o ensino médio e 80% de toda população brasileira acima de 25 anos não tem curso superior. Essa baixa escolaridade está relacionada ao mundo do trabalho, e o proletariado marginal é aquele que mais padece das dificuldades de conciliar os estudos com a inserção tão jovem no mercado de trabalho. A universidade pública, por exemplo, segue sendo um ambiente altamente elitizado e com o seu conhecimento “científico” voltado para os interesses das classes dominantes.
Ao longo das últimas décadas houve um aumento considerável das favelas no Brasil. Segundo dados preliminares do IBGE (Censo Demográfico 2022) existem hoje 11.403 favelas, onde vivem cerca de 16 milhões de pessoas. Isso significa uma expansão de 40% no número de brasileiros morando em favelas nos últimos 12 anos (em 2010 era 11,426 milhões de pessoas). Isso sem contar as subnotificações, de tantas comunidades pobres e periféricas não consideradas “favelas”. Esses dados correspondem a dois processos concomitantes: 1º) um empobrecimento e informalidade generalizada do proletariado das grandes e médias cidades; 2º) o avanço da concentração de terras no campo, que segue expulsando o campesinato e suas frações étnicas (povos indígenas e quilombolas) para as áreas urbanas, por meio do apoio irrestrito de todos os governos de esquerda e direita à grande burguesia agrária.
Sobre a concentração de terras, segundo o Relatório DataLuta Brasil (2014), nos primeiros 30 anos da “redemocratização”, de 1985 à 2014, a área das propriedades rurais com mais de 100 mil hectares cresceu 372%. Nessas décadas, houve um aumento da grilagem e da compra de terras por empresas estrangeiras, sendo as principais dos Estados Unidos, Japão, Reino Unido, França e Argentina. O governo Dilma foi um dos piores no estabelecimento de assentamentos desde 1988. Segundo relatório da Oxfam (2019), 1% das propriedades rurais no Brasil concentram 45% de toda a área rural do país. Se aumentar a escala, vemos que 10% dos maiores latifúndios ocupam 73% da área. A maior desigualdade é nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia e na região do “Matopiba”.
Tanto em relação às moradias urbanas quando às terras no campo fica evidente a falácia dos planos de “reforma agrária” e de “reforma urbana” nas últimas décadas, ou de programas como Minha Casa Minha Vida (que representam um apoio à burguesia das empreiteiras e construtoras). Ao mesmo tempo, demonstram a importância estrutural da luta pela terra e por moradia no Brasil, assim como a relação entre o campesinato sem terra e o proletariado marginal, onde um reforça os contingentes e lutas do outro num processo cíclico histórico e geograficamente. A luta pela terra é feita em muitos casos por trabalhadores pobres das cidades e vice versa. O recuo na estratégia de ocupações pelos principais movimentos sociais (MST e MTST) em troca de disputas eleitorais e de mercado só reforça essas tendências do capital e desorganiza as massas trabalhadoras.
Um fato significativo é que todo esse processo de explosão demográfica urbana nas últimas décadas, juntamente com a transição do modelo de acumulação fordista para a acumulação flexível de capital, tem aumentado cada vez mais a importância social e política das favelas e dos bairros pobres na luta de classes. A organização do poder nas comunidades tem sido disputado por uma série de agentes (polícia, milícia, tráfico, igreja, ongs, etc.), sem, no entanto, uma participação relevante por parte da esquerda, reformista ou revolucionária.
Além de sofrer diariamente com a negação dos seus direitos sociais e econômicos as massas populares também sofrem com a negação dos seus direitos políticos mais básicos de expressão, associação e reivindicação nos seus locais de trabalho e de moradia. Em muitas realidades, sequer a liberdade partidária e eleitoral é garantida. Sob o manto da democracia burguesa, com suas eleições periódicas, leis e instituições da ordem, é imposta diariamente pelos patrões, polícias, milícias, instituições jurídicas e pelo narcotráfico uma verdadeira ditadura às massas trabalhadoras. Nos locais de trabalho, lugar privilegiado da luta de classes, os patrões impõem o medo e a perseguição através de um sem-fim de métodos de controle legais e ilegais contra qualquer agitação e mobilização. O direito trabalhista e sindical é rasgado diariamente à luz do dia. São os novos senhores de escravos. Nos locais de moradia a polícia e o narcotráfico aterrorizam as comunidades pobres e impõem pela violência e o medo o disciplinamento da força de trabalho. São os capitães do mato.
Encurralado pela fome e pela morte, o proletariado marginal nas cidades ou nos campos é o maior alvo da opressão burguesa, estrategicamente reprimido e podado em seu potencial político independente e transformador. É a camada mais perigosa da classe trabalhadora. O seu enorme potencial e energia transformadora é desviada através da tutela/controle de instituições burguesas como ONGs, partidos, igrejas ou mesmo sindicatos e partidos. A camada superior dos trabalhadores é a mais integrada às instituições do sistema democrático-burguês e, portanto, a mais alienada em relação as suas contradições e ilusões, em muitos casos se torna uma aliada importante da burguesia para a defesa do sistema, o mesmo sistema que massacra e oprime as amplas massas diariamente.
Por fim, a condição semiperiférica e dependente do capitalismo brasileiro também impõe uma realidade específica à pequena burguesia. Com o Brasil tendo uma forte tendência ultramonopolista, onde 1% detém 63% da riqueza nacional, um número reduzido de grandes empresas nacionais e estrangeiras dominam a maior parte do processo de acumulação capitalista enquanto 5,8 milhões de micro e pequenas empresas, que representam 99% de todas as empresas do país, lutam para seguir existindo. Segundo o Sebrae, mais da metade das pequenas empresas comprometem mais de 30% de seu custo mensal com o pagamento de dívidas. Além disso, segundo o IBGE, 80% dessas empresas fecham as portas antes de 1 anos de existência.
O endividamento, a falência, a intensidade e a precariedade do trabalho colocam uma parcela da pequena-burguesia trabalhadora próxima das massas populares. Há uma parcela expressiva da pequena-burguesia em um processo cíclico de proletarização, diferente de uma pequena e média burguesia mais estáveis e integradas à civilização burguesa (como se verifica em países centrais). O ritmo intenso de decadência joga esses pequenos burgueses muitas vezes em trabalhos precários, e não em empregos valorizados e estáveis, próprios da aristocracia de trabalhadores. Não é uma transição planejada. A família toda ou quase toda está envolvida nas suas pequenas empresas, convivem com privações econômicas, segregação espacial, precarização de serviços públicos, filhos e familiares em serviços precários ou desempregados. O pequeno negócio em muitos casos é uma evolução circunstancial de um trabalho precário (como camelô, entregador, feirante, mecânico, etc.) e se torna um investimento para o “apoio” não só ao dono, mas a familiares e vizinhos. É um negócio subcapitalizado, não gera acumulação, luta pra sobreviver. Em qualquer comunidade periférica ou interiorana do Brasil essa pequena burguesia trabalhadora está presente.
Essa definição basta para acabar com as discussões inúteis e doutrinárias na esquerda, debates sempre requentados, quase sempre pra justificar uma nova capitulação, se um caminhoneiro ou um vendedor de cachorro quente ou um camponês é ou não um “pequeno burguês”. Os doutrinários cultos e elegantes nunca vão entender a realidade brasileira, o profundo oceano popular, vivo, contraditório e ameaçador. Como vimos, a pequena burguesia trabalhadora padece em geral de problemas materiais mais duros do que a aristocracia de trabalhadores. A adesão de parte dessa pequena burguesia (assim como de partes do proletariado) ao discurso “anti-sistêmico” do bolsonarismo já deveria ter acendido um alerta aos revolucionários, não para a rejeição típica do esquerdismo liberal, mas para o instinto de revolta (ainda que relativo e vacilante) desta fração e como podem servir como força auxiliar na luta das massas.
O atual caráter do PT e do governo Lula-Alckmin
Para compreender e superar a crise de organização e direção do proletariado é fundamental uma análise do maior partido de esquerda, o Partido dos Trabalhadores (PT), seu papel e seu caráter na luta de classes no Brasil.
O PT já não é mais um partido de caráter socialdemocrata/reformista com base na organização operária, popular e da classe média. O PT é mais um exemplo histórico, dentre outros, da passagem da socialdemocracia para o campo da contrarrevolução burguesa. Hoje é um partido político de orientação social-liberal e oportunista com bases cada vez mais desorganizadas, aburguesadas e eleitoreiras. A base popular que ainda vota no PT em sua maioria não é organizada pelo partido, sua relação é clientelista e assistencial, isso quando não se mistura com o coronelismo nos interiores, hoje raramente é oriunda da experiência de luta e organização popular.
O PT deve ser entendido como um partido das classes dominantes. Não porque “serve” a interesses alheios, não porque “trai” cinicamente seus princípios ou compromissos de classe, não porque “concilia” com outra classe, mas porque se tornou ele mesmo um agente político para a realização dos interesses da classe burguesa, assumiu um programa e estratégia burguesas.
Isso não se deu unicamente por uma mudança no campo das ideias, mas por mudanças na composição social do partido e dos dirigentes ao passo que se integravam no sistema estatal desde os anos 1990, mas especialmente nos anos 2000 com a ascensão ao governo federal. O núcleo duro de dirigentes partidários e sindicais ascendem à condição de gestores de setores importantes da economia, de administradores de fundos de pensão, enfim, de “novos burgueses” e burocratas. É indiferente que existam ainda no PT pequenos “resquícios socialistas” em jargões e em grupos internos inexpressivos, assim como existem em outros partidos burgueses (PDT, PSB, PV, etc.).
O controle que o PT exerce sobre as principais centrais sindicais e movimentos sociais também não altera essa caracterização política e social do partido, outros partidos burgueses fazem isso há muito tempo no mundo. O fundamental é que as formas de organização, de ação e a direção impostas pelo PT às organizações sindicais e populares estão hoje inteiramente subordinados aos interesses econômicos e políticos da burguesia. A relação do PT com as massas é essencialmente de impedir o desenvolvimento da sua capacidade política independente, subordinando-as aos limites da polarização parlamentar e da agenda econômica das classes dominantes.
Mesmo na oposição à Bolsonaro (2018-2022), com uma profunda crise social e sanitária, não houve orientação por parte do PT de ultrapassar os limites do parlamentarismo burguês. As milhares de mortes, o pânico, e as poucas passeatas canalizaram a grande insatisfação popular para o apoio a essa política burguesa, ou seja, para as eleições e a “frente ampla” de 2022.
Por outro lado, é importante ainda diferenciar o PT da atual gestão Lula-Alckmin do governo federal. O governo federal dá continuidade à política ultraliberal, agroextrativista e militarista dos governos anteriores. A autoproclamada “frente ampla” é uma grande coalizão burguesa subordinada ao imperialismo e que, por sua vez, impõe às massas populares a mesma agenda anti-povo através de outras formas de governabilidade (na qual as burocracias sindicais, estudantis, populares e identitárias são chamada a cumprir um papel importante) e simbologias mais “democráticas” e “progressistas” e, por isso mesmo, mais eficientes hoje aos interesses das classes dominantes.
Hoje, o Novo Arcabouço Fiscal elaborado pela equipe de Haddad é o ”carro chefe” da política de ajustes ficais do Governo Lula-Alckmin, esse projeto não passa de uma continuidade das políticas de austeridade fiscais iniciadas nos governos Dilma e Temer. Apesar das alegações de seus defensores, o Novo Arcabouço Fiscal não traz avanços significativos comparados a Teto dos Gastos. As restrições impostas ao crescimento do gasto público, mesmo em cenários favoráveis de arrecadação, representam um ataque aos direitos sociais conquistados com lutas sociais como investimentos na saúde e educação. Além disso, a destinação de uma parcela considerável da arrecadação para o pagamento dos juros da dívida pública evidencia os interesses imperialistas como do FMI e Banco Mundial na política de austeridade fiscal no Brasil.
A manutenção das Reformas Trabalhista e Previdenciária, o Marco Temporal, o Novo Ensino Médio e a Política de Preços da Petrobrás, somados às perspectivas de novas reformas neoliberais, como a tributária e administrativa, o PL dos aplicativos (PLP 12/2024), o Novo PAC e a ampliação de setores no programa de privatizações (PPI), tal como a privatização de presídios, escancaram o compromisso do governo com os interesses das classes dominantes.
Assim, é evidente que o governo Lula-Alckmin não promove a conciliação de classes, como erroneamente é propagandeado por setores do reformismo. Isso é falso. Uma conciliação exige sujeitos independentes, com projetos distintos, mas que se unem por objetivos e benefícios “comuns”. A conciliação é uma característica da política reformista clássica. A situação é muito pior. O proletariado não apresentou um projeto próprio para “conciliar” com a burguesia e demais classes. O PT e seus satélites (PCdoB, PSOL, PV, etc.) não representam um projeto proletário independente. A adesão de centrais e movimentos sociais ao Governo é um aceitação da política burguesa. Afirmar que é um governo de “conciliação de classes” é um erro com consequências políticas, assim como caracterizar o PT como “reformista”, que o governo Bolsonaro foi “fascista”, ou o impeachment de Dilma como um “golpe”. São erros clichês que impedem uma análise e uma intervenção correta na luta de classes.
O PT e a crise de organização e direção do proletariado
Vivemos a maior crise política, ideológica e organizativa da classe trabalhadora brasileira em toda a sua história. Em meio a tantos retrocessos nas últimas décadas, o maior e mais preocupante de todos é a diminuição da capacidade política dos trabalhadores como classe social independente, ou seja, com consciência dos seus problemas fundamentais, dos seus interesses imediatos e históricos e dos meios práticos para a realização de tais interesses e aspirações. É o maior retrocesso porque a organização e a luta do proletariado são as mães de todas as conquistas. Por isso não devemos falar de “conquistas” sem falar de organização e luta das massas (exatamente o que o oportunismo faz com suas ilusões eleitorais).
Como um partido burguês, apesar de seu passado particular de ligação com as massas, o PT não tem mais nada a propor de positivo para a classe trabalhadora enquanto projeto estratégico e programático de transformação. A condução de um programa assistencial aqui outro acolá, de uma greve e passeata aqui ou acolá, é conduzido como uma política de gestão de conflitos e da pobreza, quando não uma manipulação dos trabalhadores como massa de manobra para seus interesses partidários. Nas ações cotidianas e concretas os petistas tem sido incapazes de responder às necessidades mais básicas dos trabalhadores.
A tendência atual, como governo federal, é que as burocracias petistas combatam as lutas populares a todo custo, sabotando as lutas pelas reivindicações mais básicas, especialmente aquelas mais ou menos autônomas e combativas (como ocorreu com a greve nacional dos entregadores sabotada no início de 2023). A política governista no movimento sindical-popular tem como missão estratégica impedir que ele ultrapasse os limites do corporativismo, do legalismo e do eleitoralismo, impedindo que a ação do proletariado ultrapasse a política “democrática” burguesa e se torne efetivamente uma política classista e combativa. Tudo isso será feito, a despeito das justificativas, para sustentar o governo burguês de Lula-Alckmin. Essa política só levará a mais derrotas e mais desorganização da classe. Dividir e enfraquecer as massas, para governar. O princípio da unidade na luta será rompido sistematicamente pelos governistas, sob as mais diversas desculpas e mentiras.
Mas há um limite. Já há um histórico de certas categorias em que as lutas são empurradas pelas bases descontentes e as burocracias são obrigadas a fazer um jogo duplo oportunista para não perder o aparato burocrático dos sindicatos e movimentos. Essa política oportunista tem levado a derrotas sucessivas para a classe, um aprofundamento do conflito direção-base nas organizações e, após anos de erros por parte das oposições, um descrédito e repulsa generalizada nas massas em relação às próprias instituições tradicionais de luta e organização da classe (sindicatos, movimentos, partidos). Segundo dados do IBGE, estamos no menor índice de sindicalização da história, apenas 9,2% da classe trabalhadora brasileira está filiada a algum sindicato, uma redução de quase 1/3 da taxa de sindicalização em 2001 (26%), pouco antes das eleições do PT para o Governo Federal.
Assim, se o PT, apesar de todos os casos de autoritarismo, manipulações e peleguismo, tem sido hábil em não perder de um solavanco o seu aparato burocrático no movimento sindical, popular e estudantil (o maior golpe foi a criação da Conlutas em 2007), é certo que está acontecendo a conta-gotas, há pelo menos duas décadas, um processo mais profundo e radical de afastamento da classe trabalhadora brasileira da política liderada pelo PT. A renovação da capacidade eleitoral do PT e do Lulismo nas eleições de 2022, assim como da capacidade de cooptação lulista no movimento sindical e da classe média urbana progressista, não altera esse quadro político.
Apesar do necessário e difuso afastamento das massas populares da política petista/lulista ter um potencial positivo, por outro lado a incapacidade de setores classistas e socialistas em canalizar essa indignação popular em luta e organização tem gerado um lado negativo da crise atual: a tendência silenciosa das massas à relativa apatia e desesperança, a falta de um referencial político e ideológico classista e socialista, expressada também por velhos militantes cansados da política, cansados de mentiras e manipulações, ao mesmo tempo que resignados a realidade dos “menos piores” e das buscas de outros objetivos pessoais de vida, ou mesmo aderindo acriticamente à concepção culturalista, educacionista e identitária. O descrédito aos grandes projetos de transformação social, tido como algum passatempo de classe média, ou um assunto das elites, que não vale a pena um trabalhador comum se dedicar, é uma marca ideológica da atual crise da classe trabalhadora.
Tudo isso tem enfraquecido o poder de pressão e representação real dos trabalhadores na luta de classes, aprofundando sua crise, sua superexploração e sua desilusão política, gerando a perda de referencial para as massas de uma militância socialista revolucionária atuando em seu seio. Contextos históricos como a criação da Conlutas em 2007 e a insurreição popular em junho de 2013 foram momentos com grande potencial para impulsionar a reorganização popular e a formação de uma nova vanguarda classista, mas também apresentaram uma série de limitações. A crise da esquerda, juntamente com a crise do proletariado, são fatores determinantes para o crescimento da extrema direita nos últimos anos. Por isso mesmo, reorganizar a classe trabalhadora libertaria ela não só do controle das burocracias de esquerda mas também estancaria em grande parte o potencial de popularização da extrema direita e seu falso discurso “antissistema”.
O fortalecimento da extrema direita e a polarização burguesa
A direita e a extrema direita nunca deixaram de existir e participar da política nacional. No período imediatamente após a ditadura essa direita se camuflou de diferentes formas, atuando em diferentes governos e partidos. A vida política do ex-presidente Bolsonaro ou do vice-presidente Geraldo Alckmin são exemplos disso. Os nomes de partidos, os jargões, são carregados por essa tergiversações e enganações. O campo político chamado cinicamente de “centrão” é outro exemplo, cheio de partidos e políticos de extrema direita. Aliás, essa direita e extrema direita faz um sem-fim de alianças com a esquerda, nos níveis municipais, estaduais e federal.
Essa tática continua, mas houve uma mudança qualitativa com o acirramento da luta de classes pós-2013. Com a acumulação das contradições sociais e sua explosão na insurreição popular de 2013 a esquerda no governo teve sua face repressiva e anti-povo exposta, gerando sua desmoralização e rechaço pelas massas. Essa rebelião chega aos locais de trabalho, estudo e moradia, gerando greves e protestos autônomos, ocupações de escolas, etc. Essa ofensiva das massas gera uma crise política no governo, nos partidos da ordem e nos projetos capitalistas. As classes dominantes, como resposta a isso, encaminham a reação, através da mudança no bloco no poder e uma série de políticas repressivas e ultraliberais para estancar a sangria da insurgência e manter as taxas de lucro da burguesia. A esquerda no governo ainda tenta se mostrar capaz de aplicar esse plano reacionário, vide a Lei Antiterrorismo sancionada por Dilma em 2016, mas as classes dominantes encaminham o impeachment, e preparam uma “alternância no poder”. Não é de interesses das classes dominantes a eternização do mesmo partido no governo.
O impeachment e o fortalecimento da direita e da extrema direita foram frutos dessa reação das classes dominantes frente a: 1) a crise internacional de 2008, que foi corroendo aos poucos as bases econômicas e políticas das forças e frações de classe integradas ao bloco no poder; 2) a incapacidade do bloco PT/PMDB de controlar a mobilização popular e ao mesmo tempo conduzir uma nova ofensiva de ataques aos direitos do povo demandada pela burguesia; 3) a incapacidade de equilibrar as disputas entre frações das classes dominantes. Todos esses fatores encaminharam o país à crise política e ao impeachment em 2016. Desde então há um fortalecimento da direita e da extrema direita na política nacional, inclusive com a incorporação de setores significativos do proletariado, dos militares e da pequena burguesia.
Bolsonaro não era a opção prioritária da burguesia, mas por uma tática de mobilização de base e acirramento no interior da direita se torna a única opção capaz de vencer as eleições em 2018. Tão logo Bolsonaro perde a popularidade e apresenta incapacidades básicas na gerência do Estado a burguesia começa a abandonar o barco. Mas o fato é que essa política de extrema direita sempre existiu, ela teve uma mudança qualitativa. O Bolsonarismo tentou (com um êxito temporário e relativo) unificar e ideologizar explicitamente essa força política para assumir a vanguarda da polarização com a esquerda e o Lulismo. Se apresentou como alternativa para as classes dominantes na gerência do Estado, igualmente como o Lulismo faz. A polarização Bolsonarismo x Lulismo expressa, assim, dois projetos de gestão burguesa do Estado brasileiro, é uma polarização burguesa. As massas populares saem perdendo nos dois. Outra conclusão importante é que o Bolsonarismo é uma face da extrema direita, o seu enfraquecimento ou mesmo a sua destruição não significará o fim da política reacionária de direita ou da violência de classe profundamente arraigada nas classes dominantes no Brasil.
De 2016 à 2022 as gerências de Temer e Bolsonaro aprofundam a superexploração e a dependência, como já foi falado. A extrema direita se fortalece e se organiza em todo o Brasil, tanto como força política como força social. Mas não podemos superdimensionar nem minimizar as forças organizadas da extrema direita. A superdimensão das forças e da radicalidade da militância partidária de extrema direita é uma grande arma da esquerda oportunista para gerar medo e capitalizar politicamente com isso. É uma tática para aumentar a polarização burguesa e a missão salvadora do PT, inversamente como faz o Bolsonarismo. Nessa polarização, termos como fascismo e comunismo se tornaram espantalhos sem qualquer veracidade, usados para manipular os sentimentos e energias das bases lulistas e bolsonaristas.
Qual a política dos revolucionários frente ao fortalecimento da extrema direita e da polarização burguesa? A extrema direita deve ser combatida onde e quando se colocar contra os interesses concretos da classe trabalhadora, quando esta extrema direita estiver no poder do Estado, de grupos paramilitares ou por patrões implementando sua política anti-povo, e não como massa de manobra das disputas parlamentares e midiáticas da esquerda lulista. Deve ser combatida, portanto, com um programa classista e pelos métodos próprios da classe trabalhadora, pela ação direta, pela autodefesa popular, nas ocupações, nas greves e protestos. Os revolucionários não devem cair nunca nas armadilhas da polarização burguesa, onde a esquerda liberal lulista mobiliza uma série de artifícios ideológicos e políticos, como a ameaça “fascista” e “golpista”, unicamente para fins eleitorais e oportunistas que colocam as massas populares a reboque dos interesses das classes dominantes.
2 – Que fazer? Nossas concepções e princípios
Diante dessa realidade e, levando em conta nosso objetivo maior de libertação das massas populares no Brasil, quais as concepções políticas e estratégicas mais adequadas? A partir de debates internos e coletivos apresentamos as linhas gerais do Grupo Libertação Popular. Não pretendemos dar respostas a tudo, algumas questões não cabe a exposição, outras iremos expor em outras ocasiões.
Na luta não bastam boas intenções, nem apenas uma “linha correta”, é necessário que hajam condições reais para o desenvolvimento da ação revolucionária. Por isso, diante das adversidades e refluxos é importante saber “o que fazer” em cada contexto específico. Estabelecer prioridades. Não se deixar levar pelas modas, tarefismos e a dinâmica de aparências da política hegemônica. Mais vale um grupo coeso, com análise e estratégia corretas e com uma prática justa. É essa a organização que iremos construir.
Linha Política e Princípios
Somos uma tendência classista e combativa, socialista revolucionária. Para nós, não tem serventia uma nova seita, mais ou menos aferrada a seus próprios dogmas e rituais, mais ou menos pequena ou grande. Precisamos de um novo estilo militante, aberto a se apropriar dos grandes debates e experiências da história global das Massas Populares e do Socialismo, mas o novo militante precisa estar focado nos problemas concretos da luta de libertação do nosso povo aqui e agora. Devemos partir da nossa realidade para as ideias, e não o contrário.
Não é tempo para dogmatismos de seita. Uma linha correta de atuação não vai nascer no campo puro das ideias, muito menos da cópia de histórias e personagens do passado. O estilo acadêmico e doutrinário, típico da influência pequeno-burguesa na esquerda, não terá espaço em nossa organização. É preciso ir ao povo, aprender com o nosso povo, ser povo, para construir no Brasil e no mundo de hoje, ao longo de um processo profundamente novo e diverso, uma nova prática e estratégia militante. A tradição assim como a teoria são fundamentais, não para viver no passado e na abstração, mas para combater melhor no presente e construir um futuro. Todas as revoluções são únicas em suas formas e conteúdos, há que se buscar a originalidade da revolução brasileira. Essa originalidade vive no nosso povo.
Reivindicar um referencial histórico ou teórico-ideológico específico não garante coerência, muito menos uma eficiência na prática revolucionária. Peguemos o exemplo da revolução russa. Quantas organizações, com práticas totalmente diferentes, reivindicam o seu “legado”? E mais, qual o grau de divergências entre tantas organizações brasileiras que, igualmente, se reivindicam “leninistas”? Poderíamos continuar com outras referências… Não se trata de desconsiderar essa ou aquela referência, mas reforçar que as referências ideológicas, e as mil disputas em torno delas, não significam nada sem uma prática militante coerente e uma linha política classista e combativa para as massas trabalhadoras aqui e agora.
Portanto, as tendências revolucionárias do anarquismo, do comunismo, do nacionalismo, do sindicalismo, do zapatismo, do apoismo, etc. assim como as experiências dos sovietes, comunas, quilombos, cordões industriais, cooperativas, guerrilhas, revoltas, ocupações, greves e insurreições são exemplos de autênticas obras das massas trabalhadoras ao longo da história e que, portanto, devem servir de inspiração, aprendizado e guia para a luta pela libertação popular hoje no Brasil.
Também rejeitamos o pragmatismo e o messianismo. Quem prega que os problemas da prática se resolverão com “mais prática” está errado. É a política preferencial dos agentes hegemônicos da direita e da esquerda: estimular uma prática acrítica e bovina em seus seguidores. Uma linha revolucionária exige a tríade ação-ideia-ação, ou seja, as lutas populares geram ideias/análises que devem retornar às lutas para fortalecê-las. Nas situações de crise a capacidade de análise crítica se torna vital. Um grupo que não a possui atua às cegas num campo de batalha, se for um grupo minoritário ele será aniquilado.
Além disso, aclaremos também os princípios que defenderemos e encarnaremos em nosso caminhar. São princípios que não abriremos mão, independente das mudanças de contextos e ante as maiores adversidades, pois estão intimamente relacionados aos objetivos finais da nossa organização. Os princípios que guiam o Grupo Libertação Popular, são:
1) Classismo:
A sociedade capitalista é marcada pela luta de classes, entre uma minoria de burgueses exploradores e uma gigantesca massa de trabalhadores explorados. A burguesia concentra o poder político, econômico e cultural através da exploração do trabalho das massas, da opressão do Estado e do controle dos meios de comunicação, educação e cultura. As massas proletárias nas cidades ou nos campos produzem toda a riqueza da sociedade com seu trabalho, mas vivem na miséria, violentadas e manipuladas de variadas formas.
O antagonismo de classe é o principal conflito em nossa sociedade, e, portanto, o principal motor de uma estratégia revolucionária. Nas reivindicações materiais mais sentidas e imediatas das massas existe o gérmen, o potencial, da luta final de libertação dos trabalhadores. Quando esse potencial se desenvolve o mundo popular é levado a guerra contra os exploradores. Por isso não pode haver conciliação entre proletariado e burguesia. Por isso, em decorrência do Classismo, a linha revolucionária defende a Independência de Classe, ou seja, a separação das massas populares das instituições e programas burgueses e a constituição de sua própria organização e programa que expressem seus interesses imediatos e históricos. Como diz o histórico lema socialista: “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”.
A estrutura social antagônica da sociedade transforma a massa trabalhadora em sujeito principal da revolução social, podendo ser apoiada ou não por camadas e frações auxiliares, mas sem ela não há revolução possível. Sobre o proletariado (num sentido amplo) pesam as maiores responsabilidades e sacrifícios para a destruição da sociedade capitalista e a construção de um mundo novo. Da nossa classe trabalhadora retiramos a força, o pensamento, os valores e as tradições do Grupo Libertação Popular. A organização da ampla massa trabalhadora contra a exploração e a opressão da burguesia é o foco dos revolucionários. Por isso, Classismo significa também pra nós Centralidade e Intransigência de Classe, como guia dos militantes revolucionários para pensar e transformar a realidade brasileira.
2) Ação direta e Combatividade:
A história humana demonstra por uma dura experiência que as massas populares não dispõem de outros meios para a sua libertação que não a sua própria ação coletiva organizada. A luta da classe trabalhadora buscando alcançar seus objetivos, sem intermediários de qualquer espécie (parlamentares, assistenciais ou religiosos) é o que chamamos de ação direta. O princípio da ação direta se expressa em práticas específicas como as greves, protestos, cooperativas, ocupações, boicotes, insurreições, entre outros.
Através da ação direta as massas constituem uma força coletiva, um poder próprio diretamente relacionado ao papel fundamental que elas exercem no processo de sustentação econômica e política da sociedade. Os trabalhadores produzem a riqueza e são a maioria, mas estão jogados na pobreza e na impotência, a ação direta reverte isso. Uma greve num setor estratégico tem o potencial de impor um grande poder de pressão aos patrões e governos. Além disso, não dispondo de conhecimento formal ou teórico, essa experiência coletiva direta das massas, algumas vezes trágicas outras triunfantes, mas quase sempre anônima e subterrânea, constitui a maior escola política das massas. Sem atividade de resistência, sem ação direta das massas, não existe avanço da consciência de classe.
Os meios termos e indiretos, que depositam em “terceiros” a salvação dos males que afligem o povo, em geral se convertem em ilusões que postergam ou manipulam as demandas populares em benefício da burguesia e burocratas oportunistas. Desviar o potencial transformador da ação direta para os meios indiretos, ou utilizar a primeira como mero “apoio” para o segundo, é a política prioritária dos oportunistas e burgueses. Esse caminho nós já conhecemos na política brasileira, só tem levado o povo a derrotas e a desorganização da sua força coletiva.
A ação direta pode ser tanto pacífica quanto combativa. Para uma estratégia revolucionária, e levando em conta a natureza das classes dominantes em nosso país dependente, é a ação direta combativa que possui maior potencial transformador. A combatividade na luta forja no povo e nas vanguardas militantes a preparação moral, política e ideológica para os desafios e sacrifícios da guerra de classes. É através da ação direta e da combatividade que conseguiremos garantir nossos direitos hoje e um futuro melhor para o nosso povo amanhã.
3) Autonomia:
Nossa organização é autônoma política e financeiramente em relação à partidos, sindicatos, empresas, ONGs, igrejas, e demais entidades exteriores. Portanto, todas as decisões da nossa organização são tomadas em suas instâncias próprias, pelos seus militantes, sem a interferência de instituições e interesses alheios. Para garantir a autonomia política, a organização construirá meios de auto sustentação financeira e material, apenas aceitando apoios quando esses não interfiram na independência política do Grupo.
4) Unidade tática e política:
As decisões políticas e táticas da organização devem ser seguidos por todos os militantes. A unidade traz força, coerência e coesão na atuação militante. Sem unidade tática e política a organização militante sucumbe ao individualismo e ao espontaneísmo, se tornando incapaz de cumprir seu papel na luta de classes. A coletividade é superior aos indivíduos isolados, a nossa energia e inteligência individuais são frutos da coletividade e se tornam multiplicadas quando retornam a ela. É o que expressa o velho lema: “Um por todos, todos por um”. Os líderes e as próprias decisões coletivas podem ser questionados, mas em espaços e momentos próprios pra isso.
5) Antigovernismo
Os diferentes governos do Estado burguês no Brasil, sejam de direita ou de esquerda, estão a serviço da manutenção da ordem capitalista que explora e oprime as massas trabalhadoras. O objetivo dos revolucionários e organizações populares não é gerenciar o Estado burguês, mas destruí-lo. Nossa organização compreende que devemos não apenas nos manter independentes e críticos frente a esses governos, mas construir uma política de oposição antigovernista para impulsionar as lutas e movimentos de massas, combatendo as ilusões e capitulações frente aos governos de turno. A independência é necessária, mas dado o grau de oportunismo hegemônico nas organizações, pode ser um subterfúgio para a neutralidade velada e covarde, ou seja, um paragovernismo.
Além disso, o princípio político do antigovernismo leva a compreensão de uma dupla tarefa: além de combater os governos é preciso combater a política governista no interior do movimento sindical, popular e estudantil que atrela e subordina esses movimentos como massa de manobra aos interesses do governo de turno. O governismo lulista tem sido nas últimas décadas um dos principais causadores da crise de organização e direção do proletariado, cooptando e desorganizando as lutas e movimentos populares. Reorganizar as massas exigirá um longo processo de combate político e ideológico contra a influência governista, só assim poderemos falar seriamente de independência de classe. Sem isso, a independência de classe, na boca dos oportunistas e reformistas de todas as cores, não passará de uma palavra vazia.
6) Internacionalismo e Anti-imperialismo
A internacionalização das lutas e organização da classe trabalhadora se deu num contexto de transformação capitalista, em que ele abandonava sua máscara liberal e assumia sua forma monopolista, autoritária e colonialista. Assim, o internacionalismo dos trabalhadores foi uma resposta a internacionalização do capital e do Estado.
Conforme o capitalismo se desenvolvia no sentido do monopolismo e do colonialismo, a desigualdade entre nações era ao mesmo tempo institucionalizada nas relações de produção e circulação, e consolidadas nas estruturas dos Estados Metrópoles e nas Colônias e depois nas relações de Dependência. Essa contradição internacional entre centro e periferia foi o motor das agressões imperialistas e das lutas anticoloniais e anti-imperialistas.
Por outro lado, os modelos capitalistas neoliberais e estatizantes foram duas formas de política econômica que não modificaram a natureza monopolista e imperialista do sistema mundial e dos Estados. A oscilação entre esses dois modelos na história respondeu a diferentes necessidades de acumulação de capital. Hoje, isso fica claro com os conflitos internacionais rivalizando dois blocos geopolíticos igualmente capitalistas e imperialistas: EUA-UE x Rússia-China. Os conflitos da “Nova Guerra Fria” devem ser analisados pela ótica da luta de classes internacional, e não pela instrumentalização da “geopolítica” como ciência autônoma frente as contradições do capitalismo. Tendências oportunistas, conservadoras e liberais, tem feito isso para justificar a adesão a um ou outro bloco. A independência de classe deve se manifestar também na luta anti-imperialista.
O internacionalismo se converte em política anti-imperialista, mas esta se materializa através da luta econômica dos trabalhadores contra o principal componente do imperialismo: a desigualdade internacional de salários. No plano político, é também a luta contra o domínio estrangeiro e pela autodeterminação dos povos. As reivindicações por igualdade de direitos e salários para segmentos étnicos, sexuais e nacionais é um componente essencial da luta anti-imperialista, já que essas desigualdades e discriminações permitem um rebaixamento salarial e que o capital aplique reestruturações em escala internacional que exploram essas contradições.
Assim, ao invés de transferir para o Estado brasileiro e órgãos multilaterais as resoluções dos problemas internacionais, a nossa concepção recoloca como lócus prioritário da luta internacionalista e anti-imperialista o chão de fábrica, os campos e favelas; como métodos de luta prioritária a ação direta através de greves, boicotes e protestos internacionais; e como sujeitos prioritários o proletariado marginal, o campesinato e os povos oprimidos em todo o mundo.
A nossa organização assume o legado da AIT (histórica) e das demais tentativas de lutadores classistas e socialistas revolucionários de construírem uma organização internacional de massas e situa sua linha política e estratégica de ação numa análise internacional para traçar a luta contra a dominação e a exploração. Somos internacionalistas não somente porque pretendemos manifestar a solidariedade internacional, mas porque assumimos uma política que entende a expansão da luta e organização das massas populares em escala nacional, continental até a escala internacional como uma necessidade histórica para a libertação do nosso povo.
Linha Estratégica
A análise da deterioração das condições organizativas e políticas da classe trabalhadora brasileira nas primeiras décadas do século XXI até chegar a atual situação nos leva a definir que a busca obstinada, sincera, paciente e consciente para reconstruir a ligação dos revolucionários com o povo trabalhador brasileiro (e prioritariamente com os seus setores estratégicos) é a primeira grande etapa estratégica da luta pela libertação popular. É uma necessidade história incontornável. Como disse o grande revolucionário brasileiro Carlos Marighella: “O segredo da vitória é o povo”.
Portanto, as concepções estratégicas que guiam o Grupo Libertação Popular, são:
1) A situação estratégica da luta de classes (2018-2024)
As tarefas de luta das massas proletárias devem ser definidas em função da sua situação estratégica. No período que vai de 2018 até 2024, de refluxo das lutas populares e fortalecimento da polarização burguesa lulismo x bolsonarismo, a ofensiva estratégica no terreno político-econômico pertence à burguesia, e a defensiva estratégica ao proletariado. Quem está desenvolvendo ações no sentido de conquistar seus objetivos e expandir a realização de seus interesses no curto prazo é a burguesia, enquanto que o proletariado está prioritariamente se defendendo. Mas a defensiva estratégica pode ser passiva ou ativa. A defensiva ativa prepara a contraofensiva proletária, já a defensiva passiva apenas retarda a derrota. Neste sentido, a defensiva do proletariado deve ser ativa e não passiva.
A principal característica desta situação estratégica é que o objetivo das massas é conservar e ampliar as próprias forças e não destruir as forças do inimigo. O principal objetivo dos revolucionários é ir ao povo e retomar a ligação político-organizativa com setores estratégicos das massas. A atual situação tem sido agravada pelo aprofundamento e prolongamento da crise de organização e direção do proletariado, deteriorando como nunca sua capacidade de resistência frente a ofensiva burguesa. É preciso reconhecer isso, sem delírios triunfalistas e verborragias fora da realidade.
Assim, não existem condições no curto prazo pra uma contraofensiva da classe trabalhadora. Quem vende soluções fáceis via eleitoral ou combativa é um enganado ou um enganador. O levante popular de 2013 se perdeu, relativamente, no que tange às suas grandes potencialidades. Demonstrou que pode ser necessário um, dois ou vários levantes (gerais e específicos) antes que haja efetivamente uma reorganização revolucionária e a constituição de uma nova consciência de classe do proletariado brasileiro. O certo é que um trabalho mais profundo e paciente de organização política no seio do povo desde já é fundamental para dar uma base sólida à reorganização das massas populares.
Por isso, no momento, os principais objetivos destrutivos/criativos são: 1) combate ao governismo/lulismo e à extrema direita no movimento popular e sindical, fortalecendo a unificação de um campo antigovernista capaz de impulsionar as lutas reivindicativas sem “rabo preso”; 2) o desgaste dos partidos reformistas e a expansão das áreas de influência das organizações revolucionárias no movimento sindical e popular; 3) a construção e expansão de novos instrumentos de luta, ou seja, de novas organizações de massas nos setores estratégicos fundadas sobre a estratégia da ação direta. Estas tarefas integram a Etapa estratégica “Ir ao Povo” e são pré-condições para que o proletariado brasileiro possa no médio prazo retomar a ofensiva e ajudar a criar as condições objetivas e subjetivas da eclosão, no longo prazo, de uma situação revolucionária no Brasil.
2) Etapa estratégica: Ir ao povo e inserção nos setores estratégicos
“Ir ao Povo” é a atual etapa estratégica da luta revolucionária no Brasil. Os objetivos nessa etapa são: reorganizar a atuação dos revolucionários e seu braço de massas, expandindo e dispersando os mesmos para os setores estratégicos do proletariado na cidade e no campo, principalmente a população mais pobre, que se encontra na sua grande maioria desorganizada politicamente; construir e apoiar organizações autônomas, comitês e movimentos de luta pela base, nos setores estratégicos do povo; fazer a luta ideológica no movimento de massas, difundindo a política classista e combativa e combatendo o reformismo e o oportunismo, estimulando a separação do proletariado da política burguesa.
Os setores estratégicos da revolução brasileira são: 1) O proletariado marginal, que atravessa todas as frações de classe, compõe uma massa de 70 milhões de trabalhadores e está submetido às maiores taxas de superexploração e repressão; 2) o proletariado rural e o campesinato, pela natureza estrutural da questão agrária e luta pela terra em nosso país; 3) as frações proletárias economicamente importantes no processo de acumulação capitalista (setor agro-industrial, energético e extrativista, comércio, infra-estrutura, logística e outros); 4) o proletariado e o campesinato nas pequenas e médias cidades, pela importância do enraizamento territorial na luta pelo poder no Brasil.
“Ir ao Povo”, portanto, é muito mais do que apenas “ir aos sindicatos”, o sindicalismo e a esquerda em geral estão em crise, isolados na massa trabalhadora. É preciso organizar os desorganizados. Antes da crise de direção existe uma crise de organização da classe. A centralidade dada aos problemas internos do sindicalismo (composição de chapas, campanhas salariais, etc.) e a pouca atenção dada aos movimentos populares e suas demandas, ou os desafios de formar organizações de trabalhadores na base de categorias não-sindicalizadas, demonstram uma miopia dos setores de esquerda para a profundidade da crise de organização e para as tarefas de como sair dela.
A camada superior do mercado de trabalho, em especial a juventude universitária e funcionários públicos, são considerados setores auxiliares, apenas uma parcela desse setor será possível incorporar à luta classista e combativa. O mesmo se dá com a pequena burguesia trabalhadora. Todos os movimentos revolucionários dispuseram de elementos externos às massas, foram importantes na luta, mas esses setores não possuem um claro potencial revolucionário enquanto agrupamentos sociais. Possuem características vacilantes que nos momentos de crise podem se voltar contra a revolta das massas. Mais do que um problema futuro, hoje esses setores são uma das bases importantes do governo burguês de Lula/Alckmin e capturados pela polarização burguesa.
Assim, “Ir ao Povo” é mais do que atuar, é planejar e priorizar estrategicamente a militância classista de acordo com a estrutura polítco-econômica do capitalismo brasileiro e de acordo com a conjuntura de crise de organização e direção do proletariado. Será, na maioria dos casos, seguir na contracorrente da política esquerdista (reformista ou revolucionária); será também muitas vezes começar “do zero” um trabalho de propaganda e organização, de “formiga”, junto aos setores estratégicos das massas populares, o que exigirá a criação de métodos próprios (novos) para inserção e incorporação das massas populares na luta classista e combativa. Os coletivos de base do GLP desenvolverão esse trabalho nos locais de trabalho, moradia e estudo.
3) Combate às burocracias sindicais e partidárias
Complementar a etapa estratégica “Ir ao Povo” os revolucionários possuem uma tarefa estratégica de caráter essencialmente destrutiva: a destruição ou pelo menos o enfraquecimento político-ideológico das burocracias sindicais e partidárias vinculadas ao Lulismo e ao Bolsonarismo. Na atual conjuntura, de ofensiva neoliberal e polarização política burguesa, as burocracias sindicais e partidárias irão se utilizar cada vez mais da estrutura do sindicalismo oficial e dos partidos eleitorais para tutelar e desorganizar a auto-organização e a ação direta das massas populares, buscando o fortalecimento dos seus projetos burgueses de governo.
Não pode haver qualquer ilusão. O desenvolvimento da luta operária e popular, no sentido da expansão e radicalização, se chocará com os interesses dessas burocracias. É função dos revolucionários, sempre que necessário, assumir a vanguarda desse combate político-ideológico, desmascarando a política dos burocratas aos olhos das bases, retirando os burocratas e governistas das direções das lutas e organizações sindicais e populares já existentes, destruindo ou pelo menos enfraquecendo e isolando essa burocracia sindical e partidária.
Para isso, a criação ou participação dos militantes em grupos de oposição no interior do movimento sindical dirigidos pela burocracia governista ou conservadora é uma estratégia importante. As oposições devem buscar a unidade dos setores anti-governistas e classistas nas categorias, sem conchavos e acordos de cúpula com governistas e oportunistas. No interior das oposições unificadas o GLP deverá manter sua autonomia e disputar democraticamente com demais tendências que possam participar das oposições. O objetivo estratégico das oposições é fortalecer a reorganização da classe neutralizando o poder nefasto das burocracias no interior do próprio sindicalismo oficial. Disputar eleições de sindicatos oficiais é uma tática dentro dessa estratégia, uma tática muito frutífera se bem aproveitada e direcionada, mas desastrosa se for mal conduzida.
4) Método materialista de mobilização popular
Para organizar as amplas massas é preciso, no entanto, chegar até elas e convencê-las de se organizarem. A exclusão das “ideias políticas e religiosas” dos critérios de adesão de massas, e seu centramento na reivindicação concreta (por terra, trabalho, moradia, saúde, educação, etc.), é o único meio de aglutinar as maiorias. Pra fazer a luta não importa se é lulista, bolsonarista, evangélico, ateu ou qualquer outra ideia política ou religiosa. O ponto de partida exigido para a adesão à organização de massas é a luta pela melhoria das condições materiais de vida. Esse ponto de partida é o centro do método materialista de mobilização popular.
Este critério de recrutamento, que coloca como pressuposto a luta e a organização popular, sem exigir mais nada dos aderentes, conduzirá pela dinâmica política da luta de classes, junto com a disputa de influência dos revolucionários no interior da própria luta, a um aprofundamento cada vez maior em direção uma consciência de classe socialista. Para resolver os problemas concretos existirão diferentes propostas, é aí que os revolucionários devem se diferenciar, propor, disputar uma política que leve os trabalhadores à vitória e ao avanço de sua organização. A consciência socialista e revolucionária é um desdobramento da experiência que esta organização de massas gera.
Assim, a construção de uma via revolucionária é o final de um processo cumulativo de lutas e experiências, e não uma decisão “formal” tomada num encontro ou congresso. Ou seja, não se trata de aprovar formalmente numa votação que as organizações de massa devem ser “revolucionárias”, isto não só ajudaria como pode atrapalhar. A função das organizações de massa é desenvolver a luta reivindicativa; é aglutinar as grandes massas e separá-las da política burguesa.
A importância dessa concepção ficou clara no último período. De 2018 pra cá, com o aprofundamento da polarização eleitoral, a estratégia da esquerda de substituição das lutas reivindicativas pelas bandeiras exclusivamente políticas de “fora Temer” ou “fora Bolsonaro” juntamente com os critérios “políticos e ideológicos” para a mobilização (decorrentes dessa estratégia), só aprofundou ainda mais a desmobilização das massas populares. Especialmente hoje, no governo federal, os governistas e oportunistas (assim como a extrema direita) negam as lutas pela melhoria das condições de vida, tentando por todos os meios envolver as massas em suas disputas eleitoreiras.
Por isso, o papel dos revolucionários hoje não é levantar palavras de ordem “radicais” deslocadas da realidade, seja por puro idealismo ou para se diferenciar no interior da esquerda. A tarefa estratégica dos revolucionários é impulsionar as lutas pelas reivindicações materiais das massas, é transformar a defensiva passiva em defensiva ativa. Essa tarefa, por outro lado, só avançará no curto e médio prazo a partir de uma política anti-governista, ou seja, de expansão e unificação de um polo de setores independentes e oposicionistas no movimento sindical e popular com disposição de fazer a luta e a resistência contra os ataques dos governos e patrões.
6) Lutas antidiscriminatórias e combate ao identitarismo burguês
Para nós as lutas antidiscriminatórias tem como objetivo estratégico o fortalecimento da Unidade Proletária na luta de libertação. O racismo, o machismo, a discriminação religiosa, por idade, por local de moradia, região, escolaridade, tipo de trabalho e renda, por orientação sexual, entre outras, são formas de discriminação presentes no cotidiano do nosso povo, que o dividem e o enfraquecem, sendo seu combate através da ação direta e da luta ideológica um importante meio para construir a unidade das massas.
A linha classista para a luta antidiscriminatória pode ser resumida em: 1) União entre os explorados, construindo o respeito e a solidariedade mútuas necessárias à vitória da luta; 2) Combate aos poderosos e ao sistema capitalista, que são os causadores das divisões e discriminações para lucrar e controlar as massas populares; 3) Centralidade das reivindicações e problemas concretos das massas, em especial dos setores estratégicos.
Uma greve de garis, uma luta contra a violência policial, uma ocupação de terra, uma cooperativa de catadores, um protesto por pediatria na favela, uma luta por transporte público, são exemplos de lutas concretas e unitárias marcadas pelo enfrentamento aos pilares das discriminações no Brasil: a superexploração e o autoritarismo, a questão econômica e política. Não são lutas “exclusivistas” ou “identitárias”. Mas as ideologias dominantes querem desviar a atenção do central, o poder econômico e político que explora e massacra as massas diariamente, um poder que eventualmente pode adotar linguagens e aparências “inclusivas”, mas nunca irá abrir mão da sua condição de classe.
O fato é que a política identitária no Brasil não é um acaso, recebe apoio direto da fundação Ford, fundação Rockefeller, Banco Mundial, FMI e de inúmeras ONGs, empresas, meios de comunicação, partidos e universidades. Essa política teve um grande impulso nas últimas duas décadas. A linha classista combate essas ideologias identitárias, acadêmicas e burguesas que buscam criar nichos eleitorais e de mercado que antagonizam setores oprimidos com a luta geral das massas. Combatemos também os métodos doutrinários e fundamentalistas dos identitários. Se omitir do combate ao identitarismo, ou pior, reforça-lo, como muitas organizações de esquerda fazem, tem significado a expansão dessa ideologia que, assim como o liberalismo e o reformismo (e muitas vezes misturado a eles), tem servido às classes dominantes para legitimar suas políticas anti-povo.
O objetivo dos revolucionários é atuar como amigos do povo, fortalecendo nossos vínculos com as massas, reconhecendo e valorizando as linguagens, culturas e tradições populares, integrando em todas as etapas da luta de libertação a força e a sabedoria das massas femininas e negras de nosso povo, reconhecendo honestamente que nosso povo não é uma folha em branco, rompendo, enfim, com a discriminação velada (mas profunda) da esquerda com as massas populares. Essa, aliás, é a primeira discriminação que devemos combater. Antes de querer “lugar de fala”, os revolucionários devem servir ao povo. Por isso essa questão tem importância estratégica. Apenas se livrando dos preconceitos e ideologias burguesas os revolucionários poderão travar uma verdadeira luta antidiscriminatória, de baixo para cima, partindo das necessidades materiais e condições de vida das massas, que fortaleça a unidade proletária (e não a sua fragmentação), integrando-a a estratégia da revolução brasileira.
3 – Um chamado à luta pela libertação popular
Trabalhadores e lutadores do povo! Temos grandes tarefas e desafios pela frente, não temos ilusões das dificuldades no caminho, mas sabemos quem somos nós e quem são nossos inimigos. Diante da realidade da luta de classes no Brasil e do amadurecimento da nossas concepções políticas e estratégicas aqui sintetizadas, apostamos pela retomada da luta, do trabalho de base e do desenvolvimento de uma capacidade de análise da realidade como possíveis e necessárias. Diante da fragmentação e rachas dos setores classistas e revolucionários, trabalharemos também a longo prazo pela reunificação de grupos, militantes e organizações. Chega de dogmatismo, amadorismo e autoproclamação. Nosso objetivo maior é revolução social e a libertação popular!
Convocamos todos aqueles e aquelas que concordem e tenham disposição de luta a se unirem na construção do Grupo Libertação Popular (GLP), construindo seus e núcleos, coletivos de base e grupos de apoio nos locais de trabalho, moradia e estudo em todo o país. Retomemos a esperança, a irmandade e a confiança em uma tendência militante nacional, capaz de apresentar uma alternativa classista e combativa para desenvolver as lutas e conquistar vitórias para o nosso povo.