Publicada no Jornal O Amigo do Povo, nº10, Agosto/Setembro/Outubro de 2024.
Aurora.
Na edição número 7 do Jornal O Amigo do Povo alertamos sobre a principal consequência da CPI do MST: o desdobramento desta para a criação de projetos de lei com intuito de criminalizar a luta pela terra, como salientado pelo próprio relator, a intenção de sedimentar o projeto “Invasão Zero”. Poucos meses após o término da CPI já há um projeto de lei que criminaliza e pune aqueles que lutam por uma justa distribuição de terras no país: o PL 709/2023.
O texto base do PL, aprovado em maio deste ano, é de autoria de Marcos Pollon – PL/MS. Nele estão previstas penalidades severas para quem se envolver direta ou indiretamente em lutas com ocupações de terra, moradia, rodovias, ou até mesmo órgãos públicos. Entre as punições estão: a proibição de receber qualquer benefício do governo federal, como o Bolsa Família, a retirada dos participantes de ocupações do cadastro do INCRA para recebimento de terra e até mesmo a proibição de assumir cargos públicos. A lei ainda prevê retroatividade, ou seja, ela atinge não só novas ocupações, mas as ocupações realizadas antes mesmo da sua promulgação.
Tal projeto tem como objetivo enterrar a luta pela terra e moradia no Brasil, desestruturando os movimentos, através de uma política de medo imposta às bases e da responsabilização criminal do movimentos sociais. Lembremos que a base dos movimentos que fazem ocupação é composta majoritariamente por pessoas que acessam benefícios do governo, seja pelo Bolsa Família, ou mesmo com as parcerias posteriores a fase de ocupação, para, por exemplo, venda de alimentos produzidos nos assentamentos. Além disso, uma das questões que fortalece os movimentos e estabelece novas lideranças é justamente o apoio indireto ou direto dos antigos membros às novas ocupações e/ou retomadas.
Este projeto não é novo, mas uma reedição ainda mais perversa de um implementado durante o governo do Fernando Henrique Cardoso, as “MPs anti-invasão” (MP 2.027/2000 e da MP 2.183/2001). Entretanto, tornar a MP em PL dá uma força ainda maior para a perversidade. Este PL também ampliou a criminalização, já prevista na MP de FHC. O atual projeto de lei mira não só no MST, mas também nos indígenas, quilombolas, sem-teto, coibindo toda ação/movimento que utilize a ação direta como tática.
Todo o clima para a aprovação deste Projeto de Lei vem sendo construído subjetivamente por vários setores da sociedade. Seja a mídia burguesa que ao relatar as lutas e manifestações faz uma separação, com ar criminalizatório, entre os bons manifestantes (ordeiros e previsíveis) e os vândalos (que ocupam terras e/ou prédios públicos), sejam os próprios políticos de direita, que rotineiramente criminalizam qualquer tipo de luta que atinja a propriedade ou o Estado.
A esquerda institucional, que vestiu definitivamente a carapuça de defensora da democracia contra os vândalos que destroem patrimônios históricos (contra a destruição do “sagrado” relógio trazidos pelo colonizador Dom João VI), reforça a oratória da mídia e reedita as divisões (de vândalos X ordeiros, para democráticos x antidemocráticos, protestos válidos X inválidos).
O fato é que a esquerda vem progressivamente negando os métodos históricos de luta da classe trabalhadora em prol da defesa do Estado. Se colocando como opção responsável para gestão do capital, ao invés de assumir um papel de apoiadora e impulsionadora das lutas dos trabalhadores.
A suposta defesa que Lula faz do MST, “faz muito tempo que os sem-terras fizeram uma opção de se transformar em pequenos produtores altamente produtivos”, é, ao invés de um fortalecimento do movimento em seu cerne, a justa luta pela terra, uma tentativa de dar um redirecionamento sistêmico ao movimento, enfatizando sua produtividade e inserção no mercado em detrimento de sua força para pressionar a desconcentração de terras no Brasil.
Neste sentido, a adesão ou passividade (da direita ou esquerda) diante deste PL absurdo não surpreende. Combinando a legitimação subjetiva dele, com os tempos de declínio das lutas, a aprovação não é fatalidade, mas fruto de um trabalho intenso dos setores reacionários.
Os parlamentares de direta, os empresários, a burguesia agrária e urbana estão mobilizando a pauta há anos. Lembremos que Alckmin, atual vice-presidente, em meio a sua campanha eleitoral de 2018, prometeu publicamente durante reunião junto a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) que reeditaria a MP 2.183/2001, propondo itens ainda mais rigorosos, acenando para a burguesia agrária em detrimento dos povos do campo.
A passividade da esquerda eleitoral não surpreende, ela só aprofunda ao longo dos anos. Se restringindo a oposição parlamentar, se esforçam unicamente em mobilizar votos contrários, vetos, ou propor emendas parar tornar o intragável em menos pior. A esquerda eleitoral definitivamente enterrou a mobilização de lutas como estratégia.
Lula, tampouco é uma salvação. Em suas 3 oportunidades como presidente, nunca se dispôs a revogar a MP reacionária de FHC e, provavelmente, não irá vetar este projeto de lei, deixando correr solto os ataques ao povo brasileiro.
Esse cenário parece nos apontar para duas interpretações: se há um foco em criminalizar as ocupações, a ação direta de uma forma geral, é justamente porque esta tática é crucial, ela verdadeiramente atinge o regime de concentração de terras, a propriedade privada. Por isso mesmo, precisamos romper com o imobilismo e com as estratégias apenas de pressão parlamentar e sim utilizar a ação direta para impedir um ataque ao direito de lutar, de ocupar, de retomar as terras. É necessário fortalecer a luta contra esse PL por meio de plenárias, como as organizadas pela CSP-Conlutas, jornada de lutas e mobilização nacional. ■