Liberdade ou morte: Sacco e Vanzetti vivem na luta do proletariado revolucionário!

No dia 23 de agosto de 1927, os anarquistas italianos Nicolás Sacco e Bartolomeu Vanzetti foram assassinados, sentenciados a pena de morte na cadeira elétrica pela justiça do Estado norte-americano.

Naquele dia, o proletariado do mundo inteiro derramou lágrimas de ódio aos exploradores do povo, sabendo terem perdido gloriosos camaradas da luta revolucionária.

Protestos de massas em solidariedade pipocaram em todos os continentes. Bombas explodiram em embaixadas ianques. Dos EUA à Argentina, da Espanha à Rússia soviética, as massas trabalhadoras se levantaram, desmistificando a propaganda burguesa de “terroristas isolados”.

Os dois anarquistas foram alvos de um escândalo jurídico, sentenciados sem qualquer prova concreta, com testemunhas falsas, sob uma forte atmosfera de revanchismo político reacionário e racista.

Aproveitamos a data para divulgar um texto de Sacco e Vanzetti: “Liberdade ou Morte”. O texto é uma prova da virtude ideológica dos dois anarquistas, que mesmo de dentro do cárcere, após receberem a sentença de morte, se mantiveram firmes, não se arrependeram nem se intimidaram frente aos carrascos do Estado e do Capital.

Em tempos de repressão e refluxo das lutas que vivendo, esse texto é uma mensagem de coragem às novas gerações, é um exemplo que ultrapassa o tempo e as geografias, para os corações e mentes de cada filho do povo.

Sacco e Vanzetti Vivem e Vencerão!


Liberdade ou Morte

Nicolás Sacco e Bartolomeu Vanzetti

Aos companheiros, aos amigos e ao proletariado revolucionário

Muitas vezes, durante nossa prisão, lhes dirigimos a palavra através das grades que nos privam da liberdade e dos mais elementares e inalienáveis direitos.

Não para pedir vossa solidariedade – ela veio espontânea, generosa e imediata, e se afirmou cada vez mais a medida que a magistratura e os oficiais de justiça revelavam o propósito de matar-nos por qualquer meio e a todo custo – os temos dirigido a palavra senão por fé, por paixão, por gratidão e por orgulho.

Por fé: e lhes dissemos que só vocês podem nos arrancar do carrasco e nos devolver à vida que é liberdade, ação, amor e ódio; que de vocês e não da lei, esperávamos justiça.

Por paixão: e gritamos para vocês com o ânimo indignado, do sadismo desta perseguição, as mentiras e a duplicidade demonstradas e usadas contra nós pelo juiz Webster Thayer e pelo procurador Katzmann. E denunciamos a trama construída pela polícia – ordenados por aqueles – para criar, com a corrupção, a ameaça e a vingança, todos os falsos testemunhos da acusação, sem os quais teria sido impossível, não apenas nos condenar, mas até nos acusar; e lhes dizemos que os jurados – em menos de 4 horas, depois de um processo que havia durado 8 semanas – encontraram o modo de nos condenar à penas capital.

Depois, quando o veredito de morte lhes foi informado, vocês, companheiros e trabalhadores, souberam rugir a ira e a dor que queimavam em seus peitos, preparando-se para todas as audácias e desafiando as pontas das baionetas dos inconscientes irmãos soldados, e a brutalidade dos juízes mercenários. Vocês que tomaram as ruas e as praças de cada cidade do mundo, gritando na cara dos representantes e servidores de nossos juízes, de nossos carrascos e perseguidores, que vocês não estão dispostos a deixar cumprir impunemente nosso assassinato.

E a explosão da dinamite libertadora se uniu ao vosso imenso grito, titânica voz de dor, de vontade, de perdição e de redenção. E nós dissemos que a esse grito e a essa explosão devemos nossa vida. As feras sentiram a pele queimar e afrouxaram o nó. De outra maneira teriam se apressado em nos entregar ao carrasco que, no silencio de uma noite má, haveria nos amarrado e queimado sobre a fogueira sem chamas do século XX.

Mas vocês que, durante a mais cega reação da história, souberam cumprir um gesto tão belo e tão poderoso de solidariedade, como poucos nos relembram a história do proletariado, vocês não se desarmaram – confiantes e decididos: a arma em punho.

E não por uma vaidosa necessidade, senão por impulso do coração, temos exteriorizado nossa gratidão e orgulho de pertencer a vossas falanges, sacras ao devir humano. Por impulso do coração! … e temos, com conhecimento, repetido mal o que alguns de vocês disseram como mestres, o que vocês todos sabem.

Agora, porém, queremos lhes dizer nosso pensamento sobre nossa presente situação, – situação incerta, obscura, penosa, cheia de incógnitas. E fazendo isso, acreditamos cumprir um dever com nós mesmos, com vocês e com a grande causa comum. Nossa impotência forçada, desviando-nos das responsabilidades próprias de cada militante, nos impõe o rigor do silêncio sobre coisas que nos dizem respeito, seja como homens, seja como revolucionários – mas não como seres vis. Examinemos então, juntos, nossa situação atual e a de todos os prisioneiros de nossa guerra.

Ao fazer isso, nos encontramos obrigados a começar … desde o início e a nos repetir. É uma necessidade, mas não é um mal, porque enquanto a dor e a vingança durem e invadam tudo, convêm repetir…

Vocês sabem: desde quando, devido ao desleixo dos primeiros advogados encarregados de nossa defesa, Katzmann y Thayer tiveram a primeira, fácil e importante vitória no processo Plymouth, em detrimento de um de nós, as coisas mudaram bastante, e mudaram mais depois do processo de Dedham. Sem dúvida mudaram para melhor. A mesma imprensa burguesa que no tempo de nossa detenção fazia contra nós um verdadeiro linchamento moral, agora e desde muito tempo, mudou de ton. Ela, quase unanimemente, declarou injustificável o veredito de Dedham.

A defesa obteve a retratação de duas importantes testemunhas de acusação, e descobriu que um terceiro, Goodridge, não é Goodridge, e que este, antes de ser um mentiroso, foi um ladrão, um trapaceiro e um bígamo. Além disso, a defesa encontrou um novo testemunho na pessoa de Roy E. Gould, o qual se encontrava presente no assalto, viu os autores, e nega nossa presença no lugar. Obtiveram muitas outras evidencias em nosso favor, evidencias que, por brevidade, deixamos de expor, mas de tal valor suficiente para assegurar, em um caso comum, a revisão do processo.

Mas devemos, por isso, esperar justiça?

Absolutamente, não. – Lhes disse com magistral sapiência o próprio juiz Thayer a cerca de um ano. Lembrareis que ele fixou a audiência requerida pela defesa para pedir novo processo, para a véspera do natal. Ele já havia decidido nos recusar o processo, e escolheu com espírito cristão a véspera do natal, para alegar aos nossos e a nós, com seu compreensível não. Recordareis também sua negação. Discurso famoso, digno dele. Duas peças de imposturas, de cólera, de vaidade, e de má fé. Naquele discurso Thayer fez uma citação jurídica de um colega seu mijada fora do penico; Ei-la aqui, senão textualmente, ao menos em seu conteúdo: os jurados podem negar-se a acreditar nos testemunhos de defesa, ainda que sejam mais numerosos que os da acusação; e podem basear seu veredito de culpabilidade acreditando em apenas um entre todos os testemunhos da acusação.

Thayer preparou outro discurso para quando nos rejeitar novamente o processo, porque ele sente a necessidade de cobrir o espírito com a letra, mas se quisesse apressar-se poderia justificar sua nova negação repetindo, simplesmente as palavras já proferidas e que nós transcrevemos.

Então, dirão vocês, porque vocês pediram a defesa legal? Nós a requeremos, e vocês a financiaram, por boas razões.

Presos pela violência, acusados e constrangidos pela violência a um processo, tivemos que recorrer a defesa legal, a qual é a única reconhecida pela lei, para ser tutelados em nossos direitos, e para demonstrar, ao rigor da lei, nossa inocência. Mas não acreditamos jamais que a defesa legal fosse capaz de alcançar a justiça. Não, nós conseguimos demonstrar nossa inocência. Na mais indulgente hipótese, o jurado não poderia nos condenar mais do que usando a dúvida contra nós. E o mencionado discurso do juiz é todo um esforço para justificar a ação do jurado.

Mas é cansativo falar disso. Vocês, companheiros, amigos e trabalhadores, sabem muito bem porque nos declararam culpados.

E o silencio dos jurados, depois do processo disseram que eles haviam jurado um ao outro não falar do que se passou na câmara de deliberações – isso fala por si mesmo.

Para ser liberados devemos abrir outro processo, e devemos sair absolvidos. Por outro lado, o fato de abrir outro processo não é decisivo para nossa liberdade?

E devemos dizer-lhes que a defesa legal, por si só, é impotente? Deveremos falar-lhes de Mooney e de Billings, dos Mártires de Chicago, de Joe Hill, dos prisioneiros políticos, dos recentes processos aos mineiros e das últimas prisões? Devemos dizer-lhes que dos Thayer e os Katzmann, que administram a justiça de classe, não se deve esperar mais do que o mal? Que os homens com imagem de “bom moços” do condado de Dedham, que nos condenaram, e da figura de “bom moço” dos homens dos outros condados, que condenaram aos demais, não desapareceram, absolutamente, da face da terra? E que é absurdo, ridículo, esperar a justiça da lei de classe de nossos mortais inimigos?

Não, companheiros; Se o inimigo que pode ganhar tudo matando-nos, adverte que o pode fazer impunemente, estejam certos, não nos terão mais entre vocês. Nos matarão, ou nos farão morrer, átomo a átomo, entre os muros de suas bastilhas, como já fizeram com os outros.

E farão assim com os demais reféns. E os reféns aumentarão. As prisões transbordarão dos mais fortes campeões do trabalho e da liberdade. E seu martírio será o martírio da própria liberdade. Corrupto, traído, confuso e aterrorizado, o miserável ignorante se corvará à violência e a astúcia do ignorante rico e na ruína geral nós seremos arrastados e nossos filhos serão escravos, escravos miseráveis de outros e de si mesmos.

Companheiros! Trabalhadores! Vocês permitirão isso? Nós somos impotentes agora. Nosso destino e o de vocês, assim como o destino de nossos filhos, está em vossas mãos, e não nas mãos do inimigo.

A nós não resta nada mais do que olhar o cadafalso ou a ainda mais horrenda prisão perpétua, sem desânimo e sem se desesperar.

Quando ainda éramos adolescentes conhecemos a separação dos nossos ente queridos, a cólera dos patrões e a maldade do mundo de bem. Aos vinte anos preferimos o estudo e a luta, aos fáceis amores e a taberna. E na longa experiência que sabe de toda miséria, toda dor, todo insulto e toda humilhação, amadureceu em nós essa fé que desafia e vence todos os inimigos e qualquer adversidade; a fé que a luta e o valor temperam e não abatem. E sabemos a muito tempo, o que a causa necessita e a que o inimigo serve…

Pela defesa da existência e o triunfo do ideal, estávamos decididos ao sacrifício supremo. Mas esperávamos cair em batalha, a peito aberto e com arma ao punho, cara a cara com o inimigo execrado.

Atroz ironia: se sonhava cair como leões e a realidade nos prepara a morte del topo. E, no entanto, nos conforta a certeza de que, ainda assim dessa forma, nosso sacrifício não é vão, senão que amadurece e apressa a invocada hora do grande revide.

Soubemos encontrar a força para resistir à pena cotidiana, e na não-pior das hipóteses, saberemos olhar na face do carrasco que nos amarre e lançar ao mundo dos grandes ladrões e dos grandes assassinos nossa extrema maldição.

A prisão perpétua significa um martírio mais longo e mais atroz que o da execução imediata. Pensem também que essa é a pena mais rentável à burguesia, porque economiza o gasto do carrasco e lhe dá o produto de nosso trabalho.

Quanto a nós, deem-nos Liberdade ou Morte!

A vocês, companheiros e trabalhadores, nossa saudação!

Agora e sempre pela Revolução Social.

Janeiro, 1923.
Nicolas Sacco e Bartolomeu Vanzetti.

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