Por Antônio Galego*

Após o golpe civil-militar em 1964 as classes dominantes impõem à classe trabalhadora brasileira uma política de repressão política e superexploração. A política governamental de arrocho salarial era peça chave do regime ditatorial e até 1968 já era responsável por corroer mais de 20% do valor médio dos salários. Para garantir isso era fundamental a repressão, que se deu através da proibição das greves, destituição de diretorias sindicais, perseguição e prisão de lideranças operárias.
Até a década de 1960 grande parte do movimento de massas ainda estava sob a direção do Partido Comunista Brasileiro (PCB). No entanto, a posição conciliadora apresentada pelo PCB gerou importante rupturas antes mesmo do golpe. Em 1968, a explosão de uma série de lutas estudantis e populares irá ser a expressão social e política desses novos rumos da esquerda brasileira, representada por uma variedade de organizações combativas e revolucionárias (ALN, POLOP, AP, VPR, COLINA, etc.) nas direções das lutas. As lutas mais conhecidas de 1968 foram as estudantis, que tiveram como marco o dia 28 de março com a morte de Edson Luís, o primeiro estudante assassinado pela ditadura.
Mas a agitação e revolta não estavam restritas ao movimento estudantil e dos grandes centros urbanos. Na cidade mineira de Contagem já existia muito antes de 1968 um trabalho de organização e conscientização revolucionária dentro das fábricas e nos bairros operários, com as mulheres (em sua maioria donas de casa) e com as famílias operárias.
Movimento furou a política de arrocho da ditadura
A cidade de Contagem (MG) vivenciou uma rápida industrialização, influenciada dentre outros fatores por sua localização estratégica e uma rede de transportes que facilitou a instalação de diversas fábricas metalúrgicas. Os trabalhadores, no entanto, viviam em moradias precárias (muitos em ocupações clandestinas), com salários de fome, e uma situação de miséria que só tendia a piorar com a política de arrocho salarial e a inflação que aumentava o custo de vida.
É a partir dessa situação concreta que atuavam as organizações revolucionárias em Contagem (MG). Apesar de uma chapa combativa ter vencido as eleições do sindicato dos metalúrgicos em 1967 esta foi impedida de tomar posse sob a acusação de “infiltração de elementos de esquerda”, e o sindicato sofreu intervenção do Ministério do Trabalho. Apesar das dificuldades, a agitação e organização nos locais de trabalho e moradia, sob formas principalmente clandestinas, não parou.
Como consequência da revolta operária contra as péssimas condições de vida, no dia 16 de Abril de 1968 iniciou em Contagem (MG) o primeiro grande movimento grevista que entrou em choque com a política de arrocho salarial da ditadura civil-militar no Brasil. O movimento iniciou na Companhia Belgo-Mineira e espalhou-se por toda a região industrial paralisando importantes fábricas como Mannesman, RCA Vitor, Demissa e Industam. Esses são seguidos por operários da SIMEL, Metalúrgica Triângulo, Pollig-Haakel, Minas-Ferro e Mafersa, somando 16 mil grevistas em protestos e assembleias diárias.
A principal reivindicação era reajuste salarial de 25%. As empresas ofereceram 10%, recusado em assembleia pelos operários. Diante do impasse, o então ministro do trabalho, general Jarbas Passarinho, foi pessoalmente à Contagem intimidar os grevistas. Repetiu as ameaças em rede de televisão. Em 24 de abril, 1.500 policiais militares tomaram a região industrial de Contagem. PMs foram buscar em casa os operários, ameaçando de demissão sumária e prendendo 20 lideranças.

O movimento terminou no dia 26 de abril com uma derrota parcial dos grevistas. A principal conquista havia sido política: tanto em relação ao avanço na organização operária em tempos de ditadura, quanto derrotando a política nacional de arrocho salarial. O Estado ditatorial, temendo o exemplo dos “rebeldes mineiros”, estendeu o abono de 10% a todos os trabalhadores brasileiros, furando pela primeira vez a política de arrocho. Isso não impediu que a greve de Contagem servisse de inspiração à greve de Osasco (SP) em 68, a queima do palanque do 1º de maio do mesmo em São Paulo, e outras lutas proletárias combativas em Minas Gerais e no Brasil.
Reapropriar nossa história de lutas
A rebeldia operária em Contagem (MG) questionou as bases da política hegemônica naquele momento: 1º) Foi um movimento grevista sem a presença do sindicato oficial, iniciado desde o chão da fábrica e dos bairros operários, ou seja, desde os locais de trabalho e moradia, e, portanto, causando o temor no Estado e na burguesia; 2º) Possuía entre as lideranças do comando de greve a hegemonia das organizações revolucionárias dissidentes do PCB; 3º) Evidenciou, através de métodos específicos de ação sindical clandestina e organização de base, a possibilidade da resistência sindical-popular em tempos de regime ditatorial (tese e experiência coletiva que também será importante nas lutas operárias nos anos 1970-1980, e que em grande medida se perdeu hoje com a hegemonia reformista lulista no movimento sindical).
É fundamental para a reconstrução de uma linha sindical classista e revolucionária hoje no Brasil se reapropriar da memória histórica das lutas operárias, assim como das lutas camponesas e estudantis, incorporando seu espírito de combatividade e ensinamentos para os desafios que teremos que enfrentar na atualidade. Afinal, hoje as forças hegemônicas do movimento sindical-popular (PT, PCdoB, CUT, CTB, UNE, etc.) também atuam de forma pelega e burocrática. O trabalho de base foi substituído pelo cretinismo parlamentar, pela eterna chantagem da “volta da direita”, pela tirania das direções sindicais e a lacração das redes sociais.
Assim, retomar o trabalho de base cotidiano nos locais de trabalho e moradia, baseado nos conflitos e necessidades materiais do povo, articulando isso num amplo movimento e projeto estratégico de reorganização da classe trabalhadora, é talvez um principais aprendizados que podemos tirar para os dias atuais.
A greve de massas em Contagem (MG) e diversos outras lutas demonstram que a oposição à ditadura esteve longe de se restringir ao movimento estudantil, aos intelectuais e às grandes metrópoles. Há uma história subterrânea, de resistência do “Brasil profundo”, que é necessário não apenas evidenciar e honrar, mas dar continuidade. Aprender com ela e conquistar a vitória para o povo será a nossa maior homenagem aos bravos lutadores do passado.
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*Esse texto foi escrito por Antônio Galego no ano de 2020 para a “rede de mídia classista”, ao qual republicamos agora com algumas pequenas alterações e com o crédito ao autor.