Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº13, Maio/Junho/Julho de 2025.
Antônio Galego.

Ao longo de fevereiro e março desse ano o Grupo Libertação Popular realizou em Brasília (DF) uma série de encontros de formação (subsidiados por um caderno de textos disponível no site do jornal) com a temática “Ciclo de Formação do Militante do Povo – trabalho de base, perfil militante e análise de conjuntura”. O intuito foi fornecer ferramentas básicas, políticas e teóricas, para a análise e intervenção na luta de classes. Para além disso, os debates evidenciaram a importância da formação em tempos de refluxo, e que tipo de formação devemos buscar como revolucionários.
Em um momento de crise de organização e direção da classe trabalhadora, conjugada com refluxo (diminuição) das lutas, é normal as pessoas jovens ou recém ingressas na militância se sentirem “perdidas”, afinal de contas, nos momentos de crise as referências do que é certo ou errado a se fazer ficam mais confusas. Organizações que teriam força para fazer alguma mudança, não o fazem, e aquelas que teriam a intenção de mudar algo, não tem força para isso. Numa situação assim, a tendência geral é as pessoas se agarrarem naquilo que é mais “sólido” (ou aparenta ser), inclusive se afastando da militância. Por mais contrariadas ou “críticas”, muitas pessoas também acabam apoiando as opções políticas hegemônicas, simplesmente por que não veem futuro ou estão cansadas de ser oposição.
De nada adianta para os militantes revolucionários esconderem a realidade, criando cenários fantasiosos e triunfalistas, cedo ou tarde as pessoas percebem e desanimam. Por outro lado, é possível e necessário contrapor o discurso pessimista e comodista. Para isso é fundamental ver além das aparências, saber que a realidade está em constante transformação. E aqui entra a importância da formação militante: para compreender melhor a realidade, criar firmeza ideológica, evitar frustrações e impaciências, garantir ferramentas políticas e técnicas para saber o que fazer diante de vários cenários diferentes. Nos momentos de crise e refluxo se torna ainda mais importante não desperdiçar energia, e isso só é possível pensando corretamente no que se faz.
Na ausência de uma situação estratégica de ofensiva das massas, sem grandes lutas e mobilizações, a uma política de formação de trabalhadores de vanguarda, com capacidade para pensar e intervir na realidade, que saibam pelo que lutam, contra quem, com qual estratégia, etc. e, ainda por cima, formados em uma situação difícil de crise e refluxo, é fundamental não apenas para “resistir” às tendências gerais desagregadoras (citadas anteriormente) mas, principalmente, preparar uma vanguarda popular para intervir nas novas lutas e revoltas que virão, extraindo de cada uma delas o máximo para a causa revolucionária: maior organização, autoconfiança e conscientização das bases, formação de novas lideranças, etc. Nos momentos de ascensão das lutas é a prática que ganha centralidade quase exclusiva, por isso é bom já saber “o que fazer”.
Mas a formação que estamos falando não é qualquer uma. O termo “formação” é muito amplo. Hoje nós temos erros comuns quando se fala em formação: um é o tarefismo ou pragmatismo, que nega a importância da base teórico-ideológica da luta de classes, defendendo no máximo uma formação “técnica”; outro é o academicismo e o dogmatismo, que desenvolve políticas de formação influenciadas na sua forma e conteúdo pela pequena-burguesia, distantes dos desafios concretos da luta das massas, mais preocupadas na autodemarcação dogmática de posições de “correntes”. Esses “estilos” de formação são fortemente influenciados pelo momento de crise e refluxo e, particularmente, pela hegemonia pequeno-burguesa na esquerda.
Para nós, o dogmatismo, academicismo, tarefismo, etc. devem ser superados por uma política de formação fortemente ancoradas no conhecimento da realidade brasileira e na prática militante junto às massas. Devemos conhecer nosso país, nossa classe, nossos inimigos, etc. Mas não se aprende para depois agir, a ação vem sempre antes, mas deve ser iluminada por uma base teórica realmente útil. Como disse a Federação Anarquista Uruguaia na década de 1970, é a partir desse conhecimento que vamos construindo uma política eficaz:
“Para propor um programa é preciso conhecer a realidade econômica, política, ideológica de nosso país. O mesmo vale para se formular uma linha política suficientemente clara e concreta. Se conhece-se pouco e mal não haverá programa e só poderá haver uma linha muito geral, muito difícil de concretizar em cada lugar em que o partido trabalhe. Se não há uma linha clara e concreta não há política eficaz. (…) Queremos estudar e pensar o país e a região como revolucionários. Então, entre os elementos que incluem as diferentes tendências da corrente socialista, tomaremos sempre os elementos que melhor nos sirvam para isso.” (Huerta Grande, FAU-Histórica)
Ou seja, o programa e a estratégia de uma organização militante deve emergir de baixo para cima, da realidade concreta das massas populares do país (como propôs Bakunin no século XIX), e não de dogmas ideológicos ou disputa entre “correntes”. Para isso os militantes devem aproveitar contribuições de diferentes correntes socialistas, tendo como objetivo central inegociável a transformação da realidade brasileira. Na medida que se avança o conhecimento sobre essa realidade a organização alcança um maior grau de concretude e eficácia em sua ação revolucionária. A formação tem, portanto, um papel fundamental aí, não apenas para capacitar o militante individualmente, mas para o avanço coletivo da organização dos social-revolucionários como um todo. ■