Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº14, Agosto/Setembro/Outubro de 2025.
Pedro P. Viegas

Se liga, chamam de centralismo democrático. Mas o que é encenado, camarada, não é democracia – é mais um teatro.
O roteiro já vem pronto de cima e o palco é sempre o mesmo: um grupo manda e outro assiste. A consulta à base é mera formalidade, o debate é figurino, atropela e teme a discordância, e o resultado… previsível como monólogo encenado por veteranos em fim de carreira.
As organizações de inspiração bolchevique aprenderam muito com os sovietes – exceto a escutar a classe (e talvez isso fosse o essencial).
Em nome da linha justa, controlam até as pausas dramáticas da sua fala, administram as diferenças como se fossem conflitos, reprimem a dúvida como um problema e não como a pedra que amola o fio do machado.
Quem questiona é caracterizado antes do debate político “louco”, “desviacionista”, “sem leitura suficiente”. Sem nem debater as críticas.
É proibido ler literatura e correlacionar com marxismo, é proibido ler autores não marxistas e correlacionar com marxismo, é proibido ouvir uma música preferida e correlacionar com marxismo, é proibido aprender com o conhecimento de uma religião e correlacionar com marxismo. O certo é só ler Marx e Lênin e o terceiro de sua tendência: e por esse critério Marx e Lênin nunca seriam bons marxistas…
O Comitê Central tem sempre razão – e o militante crítico, raramente voz. Se esquecem que até Lênin perdeu pro comitê central e foi pra base, falar o que achava correto…
Democracia vira palavra de efeito, dessas que se diz no início da reunião, antes de começar o espetáculo real. Quem ousa improvisar, logo é lembrado de seu lugar na hierarquia: mera plateia.
Mas a Revolução não é peça de teatro, camarada. A transformação real exige gente viva, gente que erra muito mesmo, pensa, contesta, mas sempre reconstrói, germina a semente da luta por onde passa.
Quantos camaradas já não saíram no meio do espetáculo? Muitos não por falta de fé na revolução, mas por cansaço de uma encenação sem fim.
É hora de parar de repetir fórmulas que não cabem mais na panela da história.
Queremos um marxismo que cozinhe com outros temperos. Um marxismo com dendê, com tucupi, com café preto forte e garapa de feira.
Um marxismo antropofágico, que devore as tradições autoritárias, que incorpore as vozes das periferias, das quebradas, das florestas e quilombos.
Um marxismo feito por mãos coletivas, que aprenda com a oralidade, com os tambores, com os terreiros e com a luta concreta da nossa gente.
Bolchevique, sim, mas sem confundir centralismo-democrático com mera centralização autoritária, com centralismo-burocrático.
Porque a verdadeira democracia revolucionária não se ensaia – se vive.
Descer do palco. Rasgar o script. Cozinhar outra história.
É disso que precisamos, camarada. ■
