Os revolucionários devem ir para as ruas “defender a democracia contra o golpismo”?

Por Antônio “Galego” e Jiren D.

Faixa marca a política pacifista e legalista da pequena burguesia universitária da ANPG/UNE (Foto: SP, 09/01/2023)

Os acontecimentos de 08 de janeiro em Brasília reforçam a análise [1] de que a derrota eleitoral não só não derrotaria o bolsonarismo, como poderia criar condições para sua radicalização. Diante de tanto alarmismo da grande mídia e de vários setores da sociedade, é importante esclarecer o significado dos eventos do dia 08.

A tomada dos prédios da esplanada está muito longe de uma tentativa de golpe de Estado. Um golpe não acontece simplesmente por uma vontade de um ex-presidente e da algumas centenas de “militantes radicais” que depredam palácios. Tomar o poder mediante golpe de Estado exige uma correlação favorável dentro das classes exploradoras (frações das burguesia, do alto comando da Forças Armadas, das classes estatistas, dos poderes institucionais nacionais e regionais, da grande mídia etc.) e muitos outros fatores do mundo social. Nada disso está dado. Os setores golpistas da burguesia nacional e internacional são, ainda, minoritários.

O que houve ontem em Brasília foi nada mais do que uma ocupação relâmpago de prédios públicos para gerar pressão política e desestabilizar os governos instituídos, tática amplamente utilizada por diferentes grupos e classes ao longo da história da luta de classes, inclusive no Brasil recente. Afirmar que uma tomada temporária de sedes dos três poderes equivale a um golpe é um exagero discursivo.

Sobre a questão do terrorismo, vale lembrar que essa caracterização ressurge com a lei antiterrorista criada no contexto pós junho de 2013 para atacar o avanço das lutas do povo sob a influência do levante de Junho de 2013. É um erro analítico e, principalmente, político da suposta esquerda abraçar essa denominação para se referir a ações de massa dissidentes. Essa adesão demonstra os compromissos da esquerda com a defesa das instituições burguesas e o aprofundamento do autoritarismo estatal. Para esse setor, toda forma de protesto que ouse ultrapassar os limites dados pelo estado democrático de direito é uma ameaça à boa ordem burguesa. Todos aqueles que recusam o pacifismo devem ser enquadrados criminalmente. Há dez anos, os inimigos da nação eram os terroristas de preto e vermelho, agora são os de verde e amarelo.

A invasão e depredação dos palácios não é uma ameaça aos direitos democráticos conquistados com luta pelo povo. Mas o uso dessas ações para intensificar a vigilância e a repressão (com intervenção federal e decretos de garantia da lei e da ordem) com certeza serão. E, nesse caso, os mais atingidos serão aqueles que não possuem financiamento do empresariado e colaboração das polícias.

Esse financiamento e colaboração só confirmam que existe uma disputa no interior das classes exploradoras e políticas do Brasil e que a polarização lulismo x bolsonarismo representa uma divisão dentro da grande e pequena burguesia do Brasil entre dois projetos capitalistas para o país.

É necessário analisar quais os interesses dos caciques da polarização burguesa com esse ato radical. De um lado, qual é o legado para a cúpula bolsonarista em continuar esquentando ainda mais a crise política institucional? Seria apresentar Bolsonaro como um fiador para acabar com os atos radicais e conseguir alguma barganha politicamente? Ou apenas manter sua base mobilizada para uma próxima disputa eleitoral? E o do lado dos caciques da grande coalização burguesa do novo governo (Lula, Dino, ministros do STF), quais os interesses? Mais de 100 ônibus se dirigindo a Brasília e não conseguem prevenir e impedir toda a ação? Ou o ato poderia ser conveniente para aumentar a repressão política contra seus adversários políticos em nome da preservação da democracia?

Se existe uma divisão entre os capitalistas no Brasil, cada um com seus interesses particulares, isso mostra que nenhum desses dois caminhos deve ser seguidos pelos revolucionários e as massas populares. A linha dos revolucionários e das massas deve ser independente e descontaminada do mundo burguês, seja da sua fração à esquerda ou à direita.

Essa linha autônoma não será construinda através de uma atuação voluntarista e adesista de simplesmente compor os atos em defensa da democracia burguesia usando termos mais “combativos” como “combater os fascistas nas ruas” sem ao menos disputar pautas, linhas, e concepções com o reformismo, que historicamente tem sido o principal problema para o desenvolvimento da autonomia da classe trabalhadora no Brasil. Assumir essa posição é cair no auto engano de estar se diferenciando da esquerda traidora, enquanto, na prática, a mensagem passada ao povo é a de que são todos a mesma coisa: defensores de políticos, de juízes e de polícias. Essa autocrítica é necessária e urgente para os que se consideram revolucionários e defensores da independência de classe.

Isso significa que não deve fazer nada frente aos grupos de extrema direita? Não. Significa que não podemos ficar a reboque da agenda do reformismo e da política burguesa. O enfrentamento dos revolucionarios aos grupos de extrema-direita deve ocorrer aonde e quando estes se colocarem contra as lutas e os interesses diretos do povo trabalhador (nas ocupações de terras, greves, ocupações de escola, etc.). Os revolucionarios agirão para preservar o avanço e a integridade das lutas populares, com os métodos e objetivos próprios do proletariado, e não com a subserviência e o apoio às instituições estatais que propõe o Lulismo hoje. Porque são essas mesmas instituições e leis “fortalecidas” que irão atacar amanhã os trabalhadores e a sua justa revolta contra a exploração.

Assim, a autodefesa contra os grupos de extrema-direita deve estar submetida às tarefas e necessidades concretas das massas populares e dos revolucionarios na luta de classes. Ela deve ser organizada e controlada pelos próprios trabalhadores em seu benefício direto. Ela deve defender a luta das massas contra os capangas dos patrões e da burocracia sindical, contra a polícia e contra todos os inimigos do povo. Mas não existirá capacidade de autodefesa real do povo enquanto perdurar a desorganização e refluxo das lutas e o isolamentos dos revolucionários. Por isso, não adianta falar em autodefesa da boca pra fora, é preciso construir com paciência as condições objetivas e uma linha correta para orientá-la.

Aos revolucionários e militantes!

Amigos do povo, não se desesperem. A empreitada será longa e é preciso ter paciência. É necessário retomar as tarefas elementares de organizar assembleias, reuniões, oposições independente, se afastando das disputas políticas eleitorais e partidárias e focando nas pautas das massas populares do Brasil, na luta por pão, arroz e feijão, aumento salarial, contra aumento da passagem e da gasolina, por saúde, moradia e educação, de forma independente tanto da “esquerda” como da “direita”, construindo de fato uma força capaz que poderá pôr fim ao domínio da burguesia na política do Brasil.

Nem ditadura, nem democracia burguesas – por aumento salarial, terra, moradia, saúde e educação ao povo!

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[1] Texto “Estamos à beira de um golpe? Notas sobre a luta de classes no contexto pós-eleitoral”

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