Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº6, Julho/Agosto/Setembro de 2023.
Aurora e Antonio Galego.
No dia 04 de maio foi iniciada a greve dos professores do Distrito Federal. Ela ocorreu em um contexto diferente das anteriores, se deu contra a vontade da direção do sindicato (Sinpro/CUT). Mesmo com sistemáticas falas contrárias e inclusive com tom acusatório contra os defensores da greve a ampla maioria dos professores decidiu pela adesão ao movimento paredista, reivindicando a recomposição salarial e melhores condições de trabalho. O movimento surpreendeu pelas assembleias massificadas e pela participação ativa nos piquetes.
Entretanto, a surpreendente massificação e anseio da base pela vitória não se traduziu em uma condução condizente. A diretoria do Sinpro (PT e PCdoB), se utilizando de suas estruturas centralizadas, conseguiu quase a totalidade de delegados no comando de greve, restringiu as falas da oposição, deixando-as para momentos de pouca importância. Conduziu uma greve sem energia e sem inovação, entediante, baseada em apenas quatro táticas: assembleias semanais, piquetes de convencimento, pressão parlamentar e atos pontuais. Nesse aspecto foi muito pior em termos de métodos do que as greves de 2015 e 2017.
Entretanto, por mais que esta greve tenha demonstrado de forma mais nítida a existência de duas velocidades na categoria: o marasmo da burocracia sindical e o desejo de mobilização da base, isso não se traduziu em uma nítida oposição base-direção. A habilidade discursiva e a capacidade de controle dos instrumentos de greve, combinadas com a falta de linha das oposições, fez com que a direção de opositora à greve, assumisse a dianteira do processo de condução da mesma.
Em meio a esse contexto as oposições (PCO, PSOL, PSTU, SIGA-FOB, Esquerda Autônoma, etc) demonstraram uma dificuldade de se impor, de se diferenciar da diretoria. Nessa greve para um professor novato ou para um professor comum era difícil diferenciar a diretoria da oposição. As pautas e temas centrais elegidos pelas oposições se esquivavam de estabelecer críticas estruturais à burocracia sindical. Ao invés disso estabeleceram prioritariamente uma dinâmica “propositiva” e pouco efetiva. Elencamos aqui quatro principais erros que apontam uma linha incorreta das oposições:
1) Priorizaram mobilizar estudantes secundaristas e universitários para apoiar e “massificar” as mobilizações dos professores;
2) Como agitação focaram na condução da “fanfarra”, que agregava até mesmo apoiadores da diretoria sindical, para impulsionar a agitação pré e pós assembleia e nos atos comportados direcionados pela diretoria;
3) Elegeram o governo Ibaneis como o principal alvo das denúncias, ao invés da burocracia sindical;
4) Centraram como pauta principal de mobilização a construção da marcha pela educação.
Cada um desses pontos não se constitui em si em um problema, articulados com uma linha geral classista e combativa podem fazer sentido, mas da forma como foram encaminhados pelas oposições não cumpriram nem a missão de desmascarar a diretoria, nem de mobilizar efetivamente a base a partir de uma lógica de oposição.
Por exemplo, a fanfarra pode ser utilizada como meio de agitação, mas é importante que ela tenha como foco fazer ecoar palavras de ordem da base e da oposição, setores que não tem direito a voz no carro de som, nas assembleias. Entretanto, no momento mais crucial, onde a direção pautou o fim da greve, e censurou as falas de oposição no carro de som, a fanfarra era praticamente inexistente. Se encontrava fragmentada e frágil, pois anteriormente vinha unindo oposição e apoiadores (“claque”) da direção de uma maneira frouxa. Em momentos de agitação nos atos, a claque se unia, mas nos momentos de fortalecer uma política de base que chocava com interesses da diretoria a claque abandonou o barco.
Outro ponto se refere ao foco em denunciar o Ibaneis. A princípio esta é uma tática válida e importante, mas em meio a greve as críticas ao governo ocupam um lugar comum entre os professores, são feitas tanto pela direção, quanto pela oposição e pela base. Uma política de oposição deve sim criticar o governo, mas deve dispender energia contra nossos opositores imediatos, isto é, a direção sindical! Ela é a força auxiliar do governo e a primeira barreira que temos que enfrentar para garantir nossas lutas e vitórias, é a direção que cumpre o papel de desmobilização e é nela que a categoria dispende suas maiores ilusões.
O mesmo podemos dizer sobre as outras duas táticas. Tanto a mobilização de estudantes quanto a construção de uma marcha pela educação são interessantes. Mas por que focar em mobilizar o apoio estudantil quando sequer temos uma oposição sindical forte e combativa que consiga enfrentar efetivamente a diretoria pelega? Não estaríamos construindo a casa pelo telhado, buscando uma ilusão de quantidade quando devemos fazer antes nosso dever de casa, ou seja, construir uma política de oposição séria na categoria? Bem, se tivéssemos uma adesão massificada e combativa dos estudantes que se junta-se com uma oposição sindical igualmente massificada e combativa, aí sim seria possível pressionar e até encaminhar, a despeito da diretoria do Sinpro, a marcha pela educação e muitas outras coisas. Mas esse não era o caso. Tampouco isso se traduziu em um ganho organizativo para os estudantes, visto que o foco era o apoio aos professores. A diretoria pelega chegou a agradecer o apoio estudantil na assembleia de fim de greve, que ao fim não ameaçou em nada a supremacia da diretoria.
Nós, do Amigo do Povo, sabemos que existem limites na própria categoria dos professores que tornam certas ações mais difíceis do que em outras categorias, entre elas: o espirito cidadão, que gera uma tendência a não extrapolar os limites do legalismo, confusões entre consciência de classe e consciência coorporativa, clivagens internas – jovens e aqueles com mais tempo de carreira, efetivos e temporários. Já os debatemos em outras ocasiões. Entretanto, acreditamos que uma atuação junto aos professores deve priorizar: 1) atacar os mecanismo de poder do Sinpro que mantém a intocabilidade dos diretores, o que significa: a) expor em todas oportunidades as estruturas verticalizadas, b) o centralismo nas instâncias deliberativas e organizativas, c) os mecanismos extraoficiais, como o papel da “claque” no ataque a setores de oposição, o papel dos churrascos e eventos sociais para cooptação, etc; 2) enfatizar a importância do rompimento com a CUT; 3) estímulo a mobilização de base e desmistificação da via parlamentar; 4) trabalhar a consciência de classe (e isso inclui a solidariedade ativa também a setores que não são da educação) em detrimento da consciência corporativista estimulada pela direção sindical; 5) dar centralidade também as pautas dos temporários.
A maior lição da greve é: existe um grande potencial de insatisfação na base que não tem encontrado uma proposta organizativa capaz de canalizar essa insatisfação e vontade de mudança em ações concretas e de força. As oposições tem falhado sistematicamente nessa missão, é preciso corrigir isso. A nossa crítica é construtiva para a oposição, mas absolutamente destrutiva para essa diretoria. Manter uma falsa cordialidade e diplomacia com essa diretoria e suas práticas canalhas que todos veem, só desmoralizam a oposição tida como “comportada”, “parte do jogo”, etc. A diretoria é fraca politicamente e moralmente, mas é forte burocraticamente, essa greve provou isso. O que cabe a nós? Rompamos com as amarras burocráticas, nos liguemos às bases, construamos um programa classista, derrubemos de uma vez por todas esse entulho pelego do Sinpro, aí teremos verdadeiramente uma nova história e uma nova a esperança na luta da nossa categoria. ■