Impactos da chuva no Sol Nascente: crise socioambiental na periferia de Brasília

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº12, Fevereiro/Março/Abril de 2025.

Érico.

Foto: Agência Brasília – Voçoroca e habitações em área de risco no Trecho III do Sol Nascente em Brasília-DF

Todos os anos acompanhamos nos noticiários cenas de uma mesma tragédia social e ambiental que assola as periferias das grandes cidades após períodos severos (ou nem tão severos) de chuvas. Se por um lado vemos o acirramento das chuvas torrenciais e registros da pluviosidade superando a normal mensal, em poucas horas ou dias de chuva, de outro vemos o acúmulo da desigualdade e o problema habitacional, relacionado diretamente com a situação ambiental.

No Sol Nascente, quebrada localizada há 33km do centro de Brasília, registrou-se em 2024, cenas lamentáveis de pessoas e veículos sendo arrastadas pelas enxurradas. Casas sendo devastadas pelas correntezas de córregos que transbordaram, e famílias amedrontadas com a possibilidade de perderem suas moradias, muitas vezes localizadas em áreas de risco.

Tendo como primeiros habitantes chacareiros e pequenos agricultores, propriedades rurais que logo foram loteadas, o Sol Nascente cresceu também por meio das ocupações de terras espontâneas ou lideradas por movimentos sociais. Em todos esses casos, o cerne é o direito de morar, base para o desenvolvimento humano. Continuar a ler

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Perseguição aos movimentos sociais: o medo das classes dominantes

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº12, Fevereiro/Março/Abril de 2025.

Érico.

Manifestação em frente ao STJ, em Brasília, contra a criminalização dos movimentos sociais (05/12/2024).

A elite político-econômica brasileira apresenta cada vez maiores e mais violentas ofensivas no campo institucional e fora dele. Em texto publicado no número 10 do nosso jornal, a autora Aurora apontou que uma das interpretações possíveis para o foco da bancada ruralista e outros parlamentares na criminalização de ocupações, nos sugere que essa tática da ação direta atinge prontamente o regime de concentração de terras e da lógica da propriedade privada.

Além desta ameaça, o contrapoder das ocupações de terra demonstra à sociedade a capacidade das mobilizações de massa, e questiona a ideologia dos latifundiários que naturaliza a desigualdade e concentração, legitimando a propriedade como direito absoluto, independente dos cenários de fome, devastação ambiental ou de exclusão promovida por ela. Ocupações bem-sucedidas incentivam outras mobilizações, criando virtuosamente a possibilidade de novas ações.

Recentemente na Câmara dos Deputados, o PL 4357/2023 propôs a exclusão do conceito de “função social da terra”, introduzido pelo Estatuto da Terra e incorporado à Constituição Federal. Desta forma através da criação dos Projetos de Lei, as elites políticas e econômicas antecipam-se perante o avanço da histórica luta dos povos pela desconcentração de terras. Esses projetos possuem caráter ofensivo preventivo, visando tornar inviáveis as ações dos movimentos populares, desmobilizando sua capacidade organizativa, estratégica e tática. Exemplo desta tentativa de desmobilização e descaracterização dos movimentos sociais, o PL 4183/2023 busca tornar obrigatória a forma de pessoa jurídica nos movimentos, visando facilitar a criminalização e responsabilização legal, além de burocratizar movimentos. Continuar a ler

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A Conjuração Negra em Pilar de Goiás

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº12, Fevereiro/Março/Abril de 2025.

Jiren D.

A história oficial frequentemente silencia sobre as fugas de escravos e a existência de quilombos bem-sucedidos na capitania de Goiás. Contudo, alguns episódios emergem dessa omissão, como o Quilombo de Papuã, localizado em Pilar de Goiás, cujo nome faz referência ao capim marmelada, planta abundante na região.

A cidade de Pilar de Goiás, durante o século XVIII, possuía uma população majoritariamente negra, com os brancos representando apenas 2,2% da população. Esse cenário demográfico, aliado à localização geográfica distante de reforços militares, fez da cidade um território especialmente vulnerável para os colonizadores e terreno fértil para a resistência escrava. Pilar de Goiás era cercada por quilombos que desafiavam constantemente a autoridade do regime escravista. Entre os muitos relatos de resistência, está o ataque de quilombolas a uma lavra em 1751, que resultou na morte de um senhor e seus dois escravos aliados, com mutilações nos corpos como forma de intimidação psicológica. Continuar a ler

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Massacre dos Turmeiros em Catalão: Sangue operário na ferrovia pela mão assassina do Estado

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº12, Fevereiro/Março/Abril de 2025.

Jiren D.

O Massacre dos Turmeiros, ocorrido em 5 de fevereiro de 1916, foi um dos primeiros registros de violência extrema contra trabalhadores urbanos em Goiás. O episódio aconteceu na cidade de Catalão e teve como vítimas a morte de 9 operários e 15 feridos que atuavam na construção da ferrovia. Naquela manhã fatídica, um grupo de trabalhadores embarcava em gôndolas para se dirigir à frente de serviços, reivindicando melhores condições de trabalho, quando foram brutalmente atacados.

As forças repressivas, sob comando de autoridades locais, dispararam contra os operários, promovendo um verdadeiro massacre. Tentando escapar da chacina, o maquinista da locomotiva deu ré no trem, recuando até o largo da Velha Matriz. Os mortos e feridos foram então descarregados no salão da Escola Sagrada Família, onde hoje funciona uma concessionária de veículos. Ali, com o apoio da população, os feridos receberam atendimento improvisado, mas, tragicamente, mais quatro pessoas faleceram, entre elas duas crianças. Continuar a ler

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Corrupção na Saúde: não é sobre saber votar

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº12, Fevereiro/Março/Abril de 2025.

Guina.

Secretário corrupto (ao meio) é homenageado na Câmara de Vereadores de Goiânia pelo “trabalho realizado”.

No dia 17 de dezembro de 2024 os noticiários foram tomados pela cobertura de uma operação da Polícia Civil de Goiás que cumpria mandados de prisão contra o ex-secretário de Saúde de Goiânia, Wilson Pollara, e o então secretário interino da pasta, Quesede Ayres, além de outros suspeitos de desviar R$ 10 milhões em recursos públicos. A operação resultou em cinco mandados de prisão, 17 de busca e apreensão, a prisão de três envolvidos no esquema, e a apreensão de milhões em espécie — tudo isso apenas na manhã em que a operação foi deflagrada. Os dois ex-secretários, no entanto, permanecem foragidos.

A investigação revelou que os R$ 10 milhões foram transferidos da Secretaria de Saúde para uma associação privada sem fins lucrativos. Durante o convênio, o montante foi rapidamente desviado em apenas 17 dias, entre 20 de agosto e 5 de setembro. Segundo uma reportagem do G1, os recursos foram movimentados por transferências via PIX, TED e TEV, além de saques em dinheiro. A rapidez das transações deu origem ao nome da operação: Speedy Cash, destacando o uso indevido e acelerado dos recursos públicos. Os depósitos foram realizados diretamente nas contas dos beneficiários, sem qualquer preocupação com prestação de contas. Continuar a ler

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Cárcere e Genocídio: como o Estado de Goiás usa prisões para reprimir e exterminar os pobres

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº12, Fevereiro/Março/Abril de 2025.

Jiren D.

O sistema prisional em Goiás, assim como no restante do Brasil, reflete as desigualdades históricas e estruturais do país e do capitalismo dependente. Marcas do racismo estrutural, do colonialismo e da violência estatal genocida contra negros e pobres se manifestam de forma evidente nas condições degradantes das unidades prisionais no Estado de Goiás. O Estado, ao priorizar o encarceramento em massa como resposta à desigualdade social causada pelo capitalismo, pune o crime dos pobres, já que os crimes dos ricos são protegidos pela justiça burguesa.

Goiás ocupa posição de destaque nas estatísticas de encarceramento no Brasil. De acordo com dados recentes, o estado possui cerca de 26 mil pessoas privadas de liberdade, enquanto sua capacidade oficial é para pouco mais de 13 mil vagas, evidenciando um cenário de superlotação de mais de 100%. A Casa de Prisão Provisória de Aparecida de Goiânia, um dos maiores presídios do estado, tem 906 vagas e hoje abriga cerca de 1.940 pessoas, apresentando uma taxa de 214% de superlotação.

Além disso, cerca de 40% dos detentos em Goiás são presos provisórios, ou seja, ainda aguardam julgamento. Essa realidade reforça a ilegalidade, mesmo dentro dos marcos do sistema judicial burguês, em garantir o respeito às garantias fundamentais, transformando a prisão preventiva em regra e não em exceção para os mais pobres. A maior parte da população prisional é formada por homens jovens, negros e de baixa escolaridade, representando o perfil típico das massas marginalizadas do Brasil, excluídas da chamada democracia brasileira.
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Ocorre no México a 1ª etapa dos Encontros de Resistência e Rebeldia convocados pelo EZLN

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº12, Fevereiro/Março/Abril de 2025.

Antonio Galego

Nos dias 28, 29 e 30 de dezembro de 2024 e 1 e 2 de janeiro de 2025 ocorreu em San Cristobal de las Casas, em Chiapas (México), a primeira etapa dos Encontros Internacionais de Resistência e Rebeldia convocados pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), reunindo centenas de ativistas de organizações políticas, populares, indígenas, culturais, além de 900 zapatistas, autoridades autônomas, promotores de saúde e educação, bases de apoio, milicianos e comandantes.

As mesas do Encontro abrodaram os crimes do sistema capitalista e do imperialismo no mundo e no México, fortes denúncias do caráter anti-povo dos governos do MORENA com López Obrador e de Cláudia Sheinbaum, a história e o início da luta armada zapatista, assim como as transformações internas na estrutura zapatista e o programa do “Comum Zapatista” como aposta para eliminação da propriedade privada nos territórios autônomos.

As atividades se estenderam pela virada do ano até o dia 2 de janeiro com as comemorações dos 31 anos do levante armado zapatista. O EZLN segue vivo, sendo inspiração e exemplo para as lutas anticapitalistas no mundo. Para mais informações e vídeos das mesas: enlacezapatista.ezln.org.mx ■

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A agonia do império e a tarefa dos revolucionários

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº12, Fevereiro/Março/Abril de 2025.

Antonio Galego

A posse de Donald Trump para um segundo mandato na presidência dos Estados Unidos tem gerado inúmeras análises e reações em todo o mundo assim como no Brasil. Não é por menos, a mudança de gerência do império estadounidense impactará o mundo inteiro. Nesse pequeno texto iremos pontuar alguns elementos dos motivos e da natureza do novo governo Trump e a tarefa dos revolucionários.

Primeiro é importante limpar o terreno. A esquerda liberal brasileira tem a tendência de ver o mundo pela ótica parlamentar burguesa. Com base em simbolismos e dispositivos de pânico, a política da esquerda pendula entre o deboche (de Bolsonaro não ir pra posse, etc.) e o medo da ameaça “nazista”. É uma resposta desesperada que expõe a impotência de uma esquerda que não tem mais base popular, nem programa e nem estratégia de transformação. Tudo gira em torno de criar “climas” propícios a ganhos eleitorais.

O novo governo Trump é fruto do aprofundamento da crise interna e externa dos EUA. Internamente, há o crescimento da insatisfação dos trabalhadores e pobres, com a alta da inflação, desemprego, desastres naturais, etc. Essas contradições são um barril de pólvora, que levaram recentemente à revoltas e conflitos de grande intensidade. Continuar a ler

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Lições da ação direta indígena e popular no Pará

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº12, Fevereiro/Março/Abril de 2025.

Antonio Galego

Diz um velho ditado: “a palavra convence, mas o exemplo arrasta”. Essa ideia, profundamente verdadeira, encontra correlação com outra ideia revolucionária de “propaganda pela ação”, ou seja, a ação concreta, a atividade de resistência, é a maior escola política das massas, não só para os diretamente envolvidos mas indiretamente para todos os explorados.

No dia 14/01 um protesto de indígenas contra retrocessos no âmbito educacional de suas comunidades culminou com a ocupação da Secretaria de Educação do Pará (SEDUC). As exigências eram claras: revogação da Lei 10.820 e a saída do secretário Rosseli Soares. A ação direta do indígenas foi se fortalecendo e expandindo com a chegada progressiva de mais povos, com outras ocupações e trancamento de estradas no interior. No dia 23/01 os professores iniciaram uma greve, se unindo ao movimento. O exemplo do Pará gerou protestos e denúncias em outros estados (Piauí e Goiás) por políticas similares contra comunidades indígenas, camponesas e quilombolas. Continuar a ler

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As drogas na militância: Lições da experiência bakuninista no Brasil

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº12, Fevereiro/Março/Abril de 2025.

J. C. Ramos

Imagem: cartaz da CNT, central anarcossindicalista, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39).

No século XIX, Mikhail Bakunin apontava a revolução social como a única saída real para a miséria, enquanto igrejas e álcool seriam fugas ilusórias. Um século e meio depois, as massas se afastam da revolução e buscam novos escapes nas drogas, apostas e medicações psiquiátricas, entre outras fugas.

Em 2019, o Brasil registrou a abertura de 17 igrejas neopentecostais por dia. Já em 2022, o tráfico de drogas movimentou R$ 146 bilhões (3% do PIB), enquanto o setor de bebidas alcoólicas gerou R$ 120 bilhões. O consumo de antidepressivos e estabilizadores de humor aumentou 36% após a pandemia. Não por acaso, é nos bolsões urbanos da pobreza que a problemática das drogas assume contornos de filme de terror — e é justamente nesses territórios que igrejas e facções do tráfico expandem seu domínio, e onde a presença socialista é quase nula.

No início dos anos 2000, surgiu um movimento no Brasil de resgate do legado anarquista bakuninista da Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores, que teve inicio no Rio de Janeiro e se expandiu pelo país. O bakuninismo buscava fortalecer o anarquismo na luta de classes e a auto-organização do proletariado marginal, combatendo a influência liberal e promovendo avanços teóricos. Nesse contexto, a questão das drogas tornou-se parte dos debates e enfrentamentos diários O resgate do anarquismo revolucionário exigiu romper com o ecletismo teórico e a visão contracultural das drogas como transgressão. Ao fomentar ocupações e cooperativas junto ao proletariado marginal, tornou-se inevitável enfrentar os impactos das drogas e da guerra urbana na região metropolitana do Rio. A morte de Porquinho, militante apoiador de uma das ocupações e oriundo da contracultura, executado pelo tráfico foi um evento que impactou a política bakuninista, levando à proibição de drogas ilícitas entre militantes e à orientação do não consumo álcool nos anos 2000. Com a mudança do foco para universidades e funcionalismo público, a restrição foi abandonada, resultando na liberalização do consumo. Continuar a ler

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