Matéria do jornal La Solidarite Révolutionnaire, nº 4, Barcelona, 1º de julho de 1873.
*Tradução: Érico.
Nota introdutória, por Antônio Galego.
Como parte da nossa contribuição às comemorações dos 10 anos da insurreição de junho de 2013 no Brasil, nós temos a honra de publicar a tradução do camarada Érico do artigo histórico “As jornadas de Junho” de 1848, sobre a insurreição popular na França há 175 anos atrás. Esse artigo foi publicado originalmente na 4ª edição de “La Solidarite Révolutionnaire”. Ainda que separados pelo tempo e espaço, ambos os processos demonstram o caráter internacional dos dilemas do proletariado, ontem e hoje, no mundo todo.
O jornal “La Solidarite Révolutionnaire” (A Solidariedade Revolucionária) foi um órgão de propaganda bakuninista criado em junho de 1873 (há 150 anos atrás!) e editado em Barcelona por refugiados franceses da guerra franco-prussiana de 1870-1871. Os seus lemas eram “Anarquia – Coletivismo – Materialismo”, assim como “Nem direitos sem deveres, nem deveres sem direitos”, expostos em seu cabeçalho.
Assinam a apresentação do jornal, formando seu corpo de redação, os camaradas Charles Alerini, Paul Brousse e Camille Camet. Os três trouxeram o jornal para seus compatriotas que estavam refugiados na Espanha, contribuindo tanto com o movimento revolucionário espanhol quanto francês e internacional.
Para termos uma noção da importância desse jornal e desses militantes, desconhecidos no Brasil, vejamos o exemplo de Charles Alerini (1842-1877). Nascido em Bastia, Córsega, em 20 de março de 1842, trabalhou como professor até ser demitido por sua atividade ilegal na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT).
Com o estalar da guerra fraco-prussiana Alerini participou da organização da Comuna de Marselha em 8 de agosto de 1870. Preso após sua derrota, foi libertado em setembro com a declaração da República.
Quando o anarquista russo Mikhail Bakunin se mudou para Marselha, entre outubro e novembro de 1870, Alérini o conheceu e se tornou membro de sua organização revolucionária, a Aliança Internacional da Democracia Socialista. Naquele período Bakunin correu o risco de ser preso e Alérini foi fundamental para sua fuga.
Com a derrota da Comuna Alerini conseguiu fugir para a Espanha e em 1872 foi condenado à morte em sua ausência. Em Barcelona, com Paul Brousse, Camille Camet e outros, ele fundou o Comitê de Propaganda Socialista Revolucionária para o Sul da França, que em 1873 publicou o jornal A Solidariedade Revolucionária. Este grupo tentou reconstruir o movimento no sul da França e lançar um novo movimento insurrecional, mas logo Brousse mudou-se para a Suíça e Camet voltou para a França, levando ao fim do jornal.
Fontes:
https://www.publicacionsanarquistes.org/la-solidarite-revolutionnaire/
https://libcom.org/article/alerini-charles-1842-1877
As Jornadas de Junho de 1848
Matéria do jornal La Solidarite Révolutionnaire, nº 4, Barcelona, 1º de julho de 1873.
Junho de 1848. Uma data fúnebre, uma página heroica na história do martirológio do proletariado. Já que pela segunda vez, na forma republicana, a voz popular é silenciada, já que nem mesmo é permitido ao povo lamentar seus mortos, falaremos em seu nome, seremos sua voz, não deixaremos passar este aniversário sem lançar uma lembrança sobre o túmulo daqueles que não estão mais aqui.
Que todos aqueles esmagados pela tirania capitalista, que todos aqueles que lamentam as derrotas do proletariado francês, unam sua dor à nossa, mas que todos também não deixem escapar a memória desses terríveis dias sem tirar os ensinamentos neles contidos. Que fique bem entendido que todas essas vítimas que foram imoladas, que todos esses homens do povo que foram sacrificados, foram-no no altar do Estado, deste Deus moderno do qual uma parte dos socialistas ainda espera, depois de tão dolorosas experiências, sua emancipação.
Um contrato foi assinado. Foi prometida ao povo a organização do trabalho; e o povo, em sua generosidade, pôs três meses de miséria a serviço da República. “Revolução por cima!” disse o governo provisório; “De acordo”, responderam os trabalhadores! Nós abandonamos toda a nossa soberania a vocês, prometemos o apoio de nossa coragem e esperamos que, ao final do prazo, cumpram a fé jurada. O direito do trabalho foi a fórmula do contrato firmado entre o Estado e o Povo. Era o mínimo conceder ao proletariado sua demanda, a este proletariado que como preço de sua vitória, de seu sangue derramado, de seu heroísmo, não exigia mais do que trabalho.
No entanto, muitos dias se passaram sem pão no sótão. O pai de família sem trabalho e o choro das crianças famintas perturbava o silêncio da casa. Às vezes, o pai olhava com raiva para a espingarda pendurada na parede e sentia vontade de pegá-la. Mas o dia do vencimento estava se aproximando e ele ainda confiava no governo. Mas calmo, impossível sem força, ele se lembrava da palavra dada.
A recompensa foi a falência do governo! Sim, esses homens que gritam “baro!” [1] quando se trata de suas fortunas, não hesitam em fazer isso com o povo quando chega a hora.
Quanto ao governo, ele sentia sua impotência. Ele não podia nem organizar o trabalho nem o crédito: a tarefa que ele havia assumido excedia suas forças e, em vez de admitir a incapacidade do Estado em relação à Revolução, ele se entregava à rotina governamental. Ele queria com o tempo e a ordem recuperar a confiança e reestabelecer o trabalho, e enquanto isso oferecia às massas um subsídio alimentar. Essa foi a ideia dos ateliês nacionais. Logo, a própria existência desse simulacro de organização do trabalho pareceu à Assembléia incompatível com o restabelecimento da ordem e a segurança da sociedade. A dissolução foi resolvida, foi decretada e ofereceram aos trabalhadores como compensação ou o transporte para a Argélia, ou engajamento voluntário, ou 30 francos.
O povo desiludido respondeu com barricadas. Durante três dias lutou contra todos os reacionários, contra Cavaignac, o republicano estoico, contra Falloux, contra Thiers que estava na aprendizagem a ser assassino do povo, contra Ledru-Rollin, seu tribuno preferido. Após três dias de prodígios, ele se levantou, desconhecido, foi deitado na sepultura.
Esta terrível desgraça nem sequer nos ensinou nada. Em 1871, foi ainda ao Estado que pedimos nossa emancipação e o Estado nos levou a uma nova hecatombe. Hoje, os heróis desconhecidos de junho não dormem mais sozinhos debaixo da grama. Os Varlin, Rigault, Ferré, Deslescluze, Vermorel, os mártires da Comuna estão deitados ao lado deles.
Duas vezes em um século contamos com o Estado; duas vezes em um século ouvimos em nossos ouvidos ressoar essa frase funesta: É PRECISO ACABAR! Sim, é preciso acabar, estas palavras arrancamos da boca dos assassinos para no momento certo jogá-las na cara deles. Sim, é preciso acabar com a opressão secular da burguesia. Sim, é preciso acabar! O povo desiludido não espera mais nada dos poderes e conta apenas consigo mesmo. É preciso acabar! Eu dou a vocês a minha palavra, e o povo sempre cumpre suas promessas! Burgueses de todo tipo, vocês perceberão em breve!
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Nota de tradução: [1] Qualidade ruim da imagem digitalizada, possivelmente trata-se da palavra “baro”. As principais definições encontradas afirmam tratar-se de prefixo utilizado junto a termos científicos, de fenômenos físicos, para demonstrar peso, pressão, etc. Mas também encontrou-se a definição de baro como palavra de origem franco-germânico para “homem livre” ou “barão”.
*Tradução: Érico.