Matéria do Jornal O Amigo do Povo, nº4, Janeiro/Fevereiro/Março de 2023.
Por Antônio Galego.
“A abolição radical de toda religião oficial e de toda Igreja privilegiada, ou apenas protegida, remunerada e sustentada pelo Estado. Liberdade absoluta de consciência e propaganda para cada um, com a faculdade ilimitada de erigir tantos templos quantos aprouver a cada um, a seus Deuses, quaisquer que sejam, e pagar e sustentar os sacerdotes de sua religião.” (Bakunin, Catecismo Revolucionário, 1866)
Os anarquistas sempre foram associados ao ateísmo, e não deixam de ser, mas pouco foi falado sobre a defesa da liberdade religiosa como elemento central do programa e do método de luta dos anarquistas. Hoje a questão religiosa retorna com toda força no Brasil. Por isso a importância de retomar esse tema e, pra além do debate filosófico (que faremos em outro momento), pensar na questão programática e nas táticas de luta.
1) A destruição do Estado: condição prévia da liberdade religiosa
Ao longo da história centenas de religiões e crenças locais foram perseguidas em nome de um único Deus, em nome da centralização da fé em uma verdade absoluta e oficial. Esse absolutismo religioso sempre se apoiou no centralismo político do Estado. Um e outro se formaram juntos, através das guerras de conquista coloniais e processos de centralização dos Estados Imperiais.
O Cristianismo, Islamismo e Judaísmo foram integrados de diferentes maneiras às estruturas estatais e se expandiram não só pelo convencimento das populações, mas pela negação de outras crenças, pela sua imposição econômica e militar como religião oficial. Cruzadas, Guerras Santas, colonialismo europeu, a criação do Estado de Israel, a contrarrevolução no Irã, são exemplos de como o Estado se associou a religião para a centralização de poderes e riquezas.
Hoje, para as igrejas que almejam crescimento segue naturalizado o uso dos governos e leis em benefício próprio. Os bispos das igrejas evangélicas que se reconciliam com Lula são um exemplo disso, e a “Carta aos Evangélicos” no período eleitoral foi o movimento inverso do presidente buscando o apoio das igrejas para governar e dominar as massas.
Importantes líderes evangélicos no Brasil têm crescido a partir de três pilares: 1) racismo religioso; 2) expansão empresarial; 3) influência política. Eles têm estimulado leis discriminatórias nas escolas, ataques a terreiros e a casas de reza indígenas, evangelização de povos isolados, ataques ao catolicismo popular, ataques aos direitos das mulheres e LGBTs, etc. A força e impunidade desse fundamentalismo cristão não vem da “mão divina”, mas de suas relações com o Estado e a exploração capitalista.
Os governos do PT, Temer e Bolsonaro, sem exceção, aumentaram o poder do fundamentalismo. Hoje, a base mais popular do bolsonarismo vem das igrejas, mas quem tem se beneficiado de fato não é a massa de crentes. Muitos líderes evangélicos estão metidos em conchavos e escândalos (como o do MEC em 2022), se aproveitando economicamente da ascensão ao poder estatal. Essa burguesia religiosa é a maior inimiga de uma real liberdade religiosa para o proletariado.
Assim, enquanto houver Estado e Capital haverá dominação dos povos e a liberdade estará ameaçada. Diferente da defesa hipócrita por “liberdade religiosa” pela extrema-direita (que só quer aumentar o apoio oficial e unilateral do Estado ao cristianismo), os anarquistas defendem que a única possibilidade de uma real liberdade religiosa para os povos é com a construção de uma nova sociedade, sem exploradores e explorados, que estabeleça a total liberdade de culto e fé e acabe com qualquer beneficiamento para as igrejas que não seja a dos seus próprios fiéis.
2) A religiosidade das massas e o método materialista de mobilização
O aumento da influência das igrejas conservadoras no Brasil gerou uma contra-tendência por parte de setores da esquerda que atacam os “pobres de direita” e a religiosidade das massas. É necessário combater essa ideia elitista da esquerda: ela volta o seu pseudo-radicalismo contra o inimigo errado (o povo) por sua impotência de enfrentar os reais inimigos (a burguesia). Na verdade, os políticos da esquerda eleitoreira (PT, PCdoB, etc.) seguem se aliando e fortalecendo os reacionários da “bancada da bíblia”. Ou seja, enquanto atacam os de baixo se aliam com os de cima.
Para os anarquistas o caminho é o inverso: é preciso unir pela base e pela luta as massas populares, independente das massas serem evangélicas, umbandistas, bolsonaristas, lulistas, etc. Devemos ir ao povo, respeitar suas crenças/tradições e culturas, e defender a centralidade daquilo que pode unifica-lo contra o inimigo comum: a luta por suas condições materiais de existência (terra, salário, saúde, etc.). No interior da luta a diversidade cultural-religiosa deve ser respeitada, pois o que estará em jogo é o objetivo comum como classe.
Por outro lado, a vanguarda revolucionária deve encarar as divergências com as outras correntes de pensamento, criticando as concepções erradas no seio do povo, mas sempre de acordo com as necessidades concretas da luta e no interesse da união e da vitória popular, e não de acordo com sectarismos ideológicos. E reforçamos: é apenas a atividade de resistência da classe que poderá coloca-la em choque com os interesses de seus líderes reacionários ou reformistas. É a ação que vai educar as massas, não discursos abstratos.
Se existir um avanço geral da luta popular no Brasil cedo ou tarde surgirá o conflito interno nas igrejas autoritárias, nada escapa à luta de classes. É preciso aproveitar esse momento, sem discursos abstratos, com base nos interesses materiais das massas, pra combater os religiosos que usam da fé do povo para roubá-lo, jogá-lo contra seus irmãos de outras religiões e usá-lo como marionete da política burguesa. Atacar os exploradores e burocratas, unir os explorados, sempre! Assim se construirá as bases materiais para uma liberdade religiosa nos movimentos populares e na sociedade futura. ■
Pela liberdade religiosa da classe trabalhadora!
Basta de ataques aos terreiros, casas de reza e às tradições religiosas do povo!
A unidade do proletariado – em sua diversidade – se constrói na luta!