Editorial | Vivam os 2 anos do Amigo do Povo! Referências históricas e perspectivas para o futuro

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº8, Fevereiro/Março/Abril de 2024.

Antonio Galego

No mês de março de 2022 foi lançada a primeira edição do jornal O Amigo do Povo. A edição trazia em sua capa uma apresentação dos ideais e objetivos que o jornal se propunha a servir e as tradições políticas que nos referenciamos. A distribuição iniciou nas periferias de Brasília, Goiânia, cidades do interior de Goiás e Mato Grosso do Sul, por militantes insatisfeitos com os rumos da esquerda e dos movimentos.

O nome do jornal foi escolhido a princípio por influência de um outro jornal anarquista revolucionário espanhol, “El Amigo del Pueblo”, editado pela organização Amigos de Durruti, marcado por suas polêmicas ácidas em defesa do poder proletário e contra as capitulações reformistas da CNT-FAI na guerra civil espanhola (1936-1939).

Por sua vez, no jornal espanhol eles justificavam o nome em homenagem ao jornal “L’Ami du peuple”, lançado em 1789 na revolução francesa por Jean-Paul Marat, que teve como marca a defesa dos setores populares no processo revolucionário. Em uma edição de 19 de março de 1793, Marat escreveu: “Fortemente convencido da perversidade absoluta dos partidários do antigo regime e dos inimigos da liberdade, senti que nada lhes podia ser obtido a não ser pela força. Revolta por suas tentativas, por suas tramas sempre recorrentes, percebi que não haveria fim neles, exceto exterminando os culpados. Indignado ao ver os representantes da nação unidos aos seus inimigos mais mortais e às leis que servem apenas para tiranizar os inocentes que eles deveriam ter protegido, lembrei ao povo soberano que eles não tinham mais o que esperar de seus representantes, convoquei-os a fazer justiça por si mesmos.” Que grande referência! Como seria bom se a ouvíssemos e aprendêssemos algo com ela.

Investigando, descobrimos também a publicação em 1902 de um jornal anarquista operário no Brasil denominado O Amigo do Povo. Seu líder era o português Neno Vasco. A militância de Neno e o seu jornal foram importantes para fortalecer a organização e uma direção revolucionária para a luta do proletariado no início do século XX.

As reflexões de Neno já advertiam para problemas que ainda hoje o anarquismo e outros revolucionários sofrem: “O anarquismo, apartado do movimento operário, entrou de definhar, de se consumir num criticismo estéril e impotente, de se dividir em pequenas capelas, com infiltrações de individualismo burguês ou de misticismo, divagações metafísicas e torneios intelectuais de diletantes e de esnobes.” Afirmou também a importância da organização das massas populares para além das minorias revolucionárias: “Os anarquistas, fiéis às ideias da Internacional bakuninista, sempre trabalharam (…) na reunião de elementos orgânicos e de materiais de reconstrução, que não poderiam limitar-se às forças da minoria revolucionária de iniciativa e combate.”

Essas três referências marcam contextos bem diferentes no século XVIII, XIX e XX, aonde o nome “Amigo do Povo” foi usado para defender uma estratégia classista-revolucionária contra as cooptações burguesas e pela libertação popular. Elas ilustram o peso da herança que carregamos com orgulho no século XXI.

Mas o nosso jornal surge num momento de crise e defensiva do proletariado. Nosso papel é reagrupar camaradas e grupos que seguem fiéis a uma linha revolucionária de ir ao povo e reorganizá-lo para as lutas que virão. Reunir aqueles que veem a crise geral da “esquerda”, que pretendem verdadeiramente renunciar aos vícios esquerdistas e construir uma nova estratégia socialista revolucionária junto às massas.

De 2022 pra cá houve um grande amadurecimento sobre o potencial e os limites do jornal. Realizamos campanhas, debates, formações, articulações com outros grupos. Conseguimos o apoio de muitos camaradas escrevendo textos (de notícias, análises, etc.) e uma distribuição que atinge quase todas as regiões.

Tem sido um recomeço. Mas existem limites, um deles é material (financeiro e de pessoas) e outro dos potenciais políticos. Esse último é o principal. Não entraremos em detalhe. Mas um jornal não basta por si mesmo. A propaganda é incapaz e se perde sem um projeto organizativo que lhe sirva para materializar suas ideias e análises. A luta de classes é uma guerra, exige soldados e exércitos em luta. O futuro exige um passo a mais. ■

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