A crise no PCB como reflexo da crise da esquerda

Publicado no Jornal O Amigo do Povo, nº8, Fevereiro/Março/Abril de 2024.

Editora Grito do Povo.

Às vezes, somente é possível ver o real conteúdo de uma organização quando a crise se instaura. Desde 2023 o PCB passa por um momento crítico, centenas de desfiliações de norte a sul, que confluem na tentativa de fundação de um novo Partido, o Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária.

Nos últimos anos houve uma enxurrada de cisões na esquerda brasileira, do campo marxista ao anarquista. A diferença do recente racha foi o alto grau de exposição pública nas redes sociais que expôs a fragilidade interna do partidão. Se no curso das lutas, o PCB conseguiu projetar uma imagem forte e disciplinada, a crise veio mostrar o contrário, um partido frágil, engessado pelo burocratismo e liberalizado pelo identitarismo pretensamente “revolucionário”.

Mundialmente, há uma crise na esquerda que tem como fatores conexos, a incapacidade em se adaptar ao novo estágio capitalista e a incapacidade de se criar novas estratégias capazes de mobilizar o povo para além das camadas médias progressistas dos centros urbanos. Se antes da reestruturação produtiva, na década de 70, o foco e força dos socialistas estava na mobilização das massas da cidade e do campo, as décadas seguintes foram marcadas pela incapacidade de penetrá-las. No Brasil nos deparamos com essa transição somente na década de 80, pouco a pouco as ofertas de vagas migraram da indústria para o setor de serviços, a permanência nos empregos se tornou breve e os locais de trabalho passaram a concentrar cada vez menos trabalhadores. Não por coincidência, o período ficou marcado como o último de inserção da esquerda nos movimentos de massa.

Mas como isso influencia diretamente o caso do PCB e outros? Imagine, hipoteticamente, um país onde exista uma esquerda composta por diversos grupos, onde todos discursam como defensores do povo, mas estão distantes dele há décadas. Imagine, que esta esquerda vive há mais de duas décadas denunciando ao povo as traições do partido que dirige o país, mas que em todo segundo turno de eleição presidencial declara voto no mesmo. Por fim, imagine, que há uma minoria “radical” que de eleição a eleição denuncia a farsa eleitoral e propagandeia a necessidade de organização, mas se demonstra incapaz de atrair e mobilizar o povo que tanto “ama”. Infelizmente, este não é um caso hipotético, mas sim a situação do Brasil, onde a incapacidade de readequação estratégica, frente ao atual estágio capitalista, tornou nula a influência de massas da esquerda. Se no centro do capital os estratos sociais médios são maioria, na periferia do capitalismo o jogo é invertido, aqui não existe efetividade política sem mobilização dos de baixo. Política sem efetividade é viver de performar para esconder a crise.

Uma esquerda sem influência popular está condenada a sucumbir antes mesmo de qualquer racha. O boom de rachas no último período (PCB, PSOL, PSTU, Intersindical, Revolução Brasileira, UNIPA, CAB, entre vários outros), revelam a não readequação estratégica a nova realidade e ocorrem num período conturbado, onde estratégias, teorias e crenças foram postas à prova. O levante de 2013, apesar do seu legado combativo, expôs a incapacidade da esquerda converter revolta popular em saldo organizativo junto ao povo. Partidos e organizações cresceram, mas dentro do mesmo estrato social, um crescimento rápido e desordenado que gerou um desequilíbrio entre quantidade e qualidade, gerando conflitos internos nos eventos seguintes. Do impeachment de Dilma ao 8 de janeiro, muita pedra rolou no caminho da esquerda, resultando em desmoralização total. A maior greve das últimas décadas, a dos caminhoneiros, parou o Brasil sem participação alguma da esquerda. Os quatro anos de absurdos do governo Bolsonaro mostraram incapacidade da esquerda em pressionar o governo mais incompetente da história. Já na pandemia, enquanto o povo corria e morria atrás de pão, as igrejas, as associações comunitárias e ONGs foram vanguardas indo às ruas e às comunidades, enquanto a esquerda na maior parte do tempo encontrou-se recolhida. Por fim, o retorno do lulismo constatou a incapacidade, de duas décadas, da esquerda não conseguir apresentar alternativas eleitorais e/ou organizativas frente ao PT, mesmo após vários escândalos de corrupção e prisões envolvendo o partido. Já a ação da militância bolsonarista no 8 de janeiro de 2023 mostrou uma Extrema Direita com mais disposição de enfrentamento, e com menos apreço à democracia burguesa, do que a esquerda.

A esquerda encontra-se desacreditada pelo povo, de si mesma e da via revolucionária. Nessa crise profunda, não há outra possibilidade de vitória sem ser a criação de estratégias para construir o novo. Não se readequar à nova realidade significa morte em vida, que será precedida por uma série de vacilações seguidas de rupturas. Hoje os Revolucionários têm somente uma tarefa: a criação de novas estratégias para penetrar no seio das massas e assim organizá-las para enfrentar a violência do estado, capital e da extrema direita. Mas é necessário imprescindível abandonar os vícios esquerdistas. ■

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